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A falar verdade

 

Resolvi passar a confiar nos homens. Em todos! Foi uma decisão que, por mais estranha que a alguns possa parecer, tomei na altura em que, passe o aparente paradoxo, acabei de deixar de acreditar em quem quer que seja.  

 

Está secretamente à vista que a mentira traz lautas prebendas e dá notória respeitabilidade a quem a pratica com desvelado fervor e, ainda que vivamos na mais plebeia das repúblicas, ela tanto mais enobrece o venerando praticante quanto maior e mais ofuscante for a sua desfaçatez. 

 

Falar verdade passou de moda e parece hoje coisa própria de gente ostensivamente desonesta e sem carácter que há que eliminar desta sociedade sem classes. Classe tem aquele que, com sedutor brilho nos olhos, falta honradamente à verdade como se estivesse carinhosamente a mentir para nos adormecer, antes de nos dar um paterno beijo na testa.  

 

Faltar à verdade é hoje em dia uma honra e não tardará muito que venha a ser instituído o Dia Mundial do Mentiroso, (um importante evento que nada tem a ver com o infantil, mas de muito mau augúrio, primeiro de Abril).

 

Tal dia há-de vir a ter direito a ser feriado com bandeira içada e tudo, comemorado em toda a parte por verdadeiras turbas de gente entorpecida pelos discursos, do mais genuíno e exaltado patriotismo, jogados como serpentinas de cores estonteantes lá do cimo das varandas por verdadeiros e profissionais oradores que, com muito mais artimanha do que pulso, ali conseguiram chegar.  

 

 

 

***

Quando escrevi esta crónica, estava a pensar naqueles em que todos,

uns e outros, estavam a pensar. 

 

 

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