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A feijões

 

Ainda recordo os jogos de miúdo em que eu entrava e que nunca consegui ganhar, por melhores que fossem as cartas, por mais golos que metesse na baliza adversária, ou por mais nicas que desse com o meu tão amado pião.

Os mais fortes, espigadotes e já de buço, ou até os fracos imberbes como eu, mas já espertalhaços golpistas, arranjavam sempre convincentes argumentos ("in extremis", a chapada, o cachaço, o murro ou o biqueiro, no caso dos mais fortes; o berreiro, o choradinho ou a peta descarada, no caso dos mais fracos) que anulavam o resultado do meu esforço: que eu tinha visto as cartas, que eu estava em "off side", que o meu pião tinha um bico maior, que eu calquei o risco, que eu saí primeiro, e por aí fora. Não valeu, diziam eles, com ar triunfante, ainda por cima!

 Nuns casos acabava logo o jogo, noutros quem-baralha-agora-sou-eu, noutros ficavam-me com o pião, noutros mediam-se a pé a pé, ou palmo a palmo, as balizas, (não fosse, de certeza, a minha ser mais pequena), etc., etc.

Eu ficava fora de mim e, sem eles verem que eu estava todo cá fora, pontapeava mentalmente as paredes como se a eles estivesse a pontapear.

E assim, pela vida fora tem sido; jogo em que eu entre, aparece sempre alguém que não aceita perder, nem que seja o feijão, ou mesmo o modesto grão-de-bico, o troféu em disputa. Acabo sempre de bolsos vazios, roído por dentro e, no exterior, com uma enorme cara de parvo afivelada pelos desavergonhados autoproclamados vencedores.

Hoje, com extrema nitidez, revivo esses tempos quando vejo alguns grupos de sisudos adultos "brincalhotarem" com jogos muito sérios, onde valores muito mais altos que o feijão ou o grão-de-bico se alevantam.

Estou a lembrar-me dos inconformados perdedores de referendos e dos obstinados lutadores pela adaptação das leis às (suas) conveniências do momento.


Se ganham o tal referendo, ponto final, vivemos em democracia e há que respeitar os resultados. Se o perdem, dois pontos, vamos votar outra vez que, até aqui, foi tudo a brincar e ainda não era para valer.

E quem diz referendo diz lei. Se nela caem, faça-se já uma nova porque esta é uma iníqua aberração que vem do tempo de... Salazar.

Se voltam a perder, dão uma boa chapada na lei, um grande pontapé na democracia e fazem justiça, às cegas, dando um forte cachaço no povo. E eu, parte desse aturdido povo, a coçar a parte posterior do pescoço, como é minha sina, engulo, engulo e não consigo que me saia uma só palavra.

Fico apenas, livremente, a pensar cá para dentro que, com gente destas, nem se pode brincar, nem vale a pena falar a sério.

 

 

 

 

 

*** A insistência dos perdedores para que (infindamente) se repita o referendo sobre  o aborto.

 

      Democratas da merda!

 

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