top of page

A grandeza da pequenez

 

Não sei se há na cidade de Portalegre coisa tão horrível e destoante como aquele casinhoto inqualificável que puseram ao fundo do Jardim do Tarro, com a rua a separá-lo do edifício da estação dos correios que também não é flor arquitectónica que apeteça muito cheirar.

 

Não sei quão altos ou baixos foram os interesses, ou mesmo quão vulgares foram os desinteresses, que permitiram que ali fosse implantado esse tal aborto, uma coisa demasiado horrenda para ser plantada em qualquer jardim ou mesmo no fundo de um qualquer quintal sem vista para a rua.

 

Não é apenas o seu inqualificável traçado “arquitectónico”que incomoda logo ao primeiro olhar. A sua presença, naquele local onde tantos passam, produz estragos que muitos já não vêem, habituados que estão à sua já quase ignorada presença.

 

Está aquela coisa, (os leitores compreendem que não é “coisa” o que me apetecia dizer), ali, há anos sem que ninguém consiga, mandato após mandato, partido após partido, mandar arrasá-la, radicalmente, para que desapareça e seja esquecida, de vez, a sua figura monstruosa que envergonha qualquer pessoa menos distraída que tenha um bocadinho de sensibilidade e bom senso.

 

Ainda lá permanece, encafuada, uma resistente papelaria, que teve a seu lado a companhia de um café que há muito fechou, e por baixo, no subsolo, uma discoteca que, não sei quando, se deve ter afundado com a tripulação e passageiros, aos berros, a gritar titanicamente a última pista do seu CD de despedida.

 

Gradualmente, com a ajuda do ventos que rasgam os toldos e dos vândalos, (não serão estes gente muito mais indignada que nós?), que partem os vidros e escrevem nas paredes, tudo se vai dia a dia mais degradando, parecendo que nunca por ali passou a pessoa exacta que, por dever de ofício, deveria passar e algo mandar fazer.

 

Esta vergonhosa ruína, para além do seu aspecto deprimente, tem efeitos nefastos nas mentalidades dos muitos jovens que por ali se cruzam, ensinando-lhes sub-repticiamente uma má lição e marcando-os, muitas vezes para sempre, com tão mau exemplo, a que se veio juntar a incúria e o abandono. Também prejudicial é para os mais velhos, muitos deles gente bem amiga da sua terra, que, desanimada, começa, em dada altura, a acomodar-se e a achar que aquilo é um fenómeno irremediável e natural que temos de eternamente aceitar.

 

Quem idealizou o jardim, foi certamente alguém competente e de bom gosto que devia saber bem o que estava a fazer e o fim que pretendia alcançar. O jardim, ainda é, apesar do casinhoto e de tudo o mais que o vêm adulterando, sebes, cestinhas, passarinhos e outras coisas mais, uma repousante sala de visitas da cidade, bem integrada no coração desta, com quem qualquer visitante acabado de chegar logo depara e até um pouco dele mais poderia usufruir se encontrasse bancos apetecíveis devidamente colocados e bem conservados.

 

Desgraçadamente para todos nós, exemplos como este proliferam por quase todo o nosso país, onde monstruosidades similares, algumas mesmo muito mais graves e irremediáveis, são produzidas por gente insensível e deslocada do lugar e, como vem sendo corrente, pelos tais, mais ou menos ocultos, interesses e desinteresses.

 

Mas o pior dos males é que muitos, como se fossem animais nascidos e criados num cativeiro donde nunca puderam sair, se vão habituando a ver e a conviver com crimes como este, que de tantas vezes repetidos, os acabam por persuadir que coisas como estas são algo de inevitável que tem mesmo de acontecer.

 

bottom of page