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A greve dos reformados

 

Há uns bons anos reformados, e já cansados de tanta conversa fiada, de tanto dominó e de tanta bisca lambida, meia dúzia de companheiros do santo ofício de nada ter que fazer, decidiram organizar uma greve de duração indeterminada.

 

Já haviam elaborado um modesto caderno reivindicativo a condizer, já tinham ajustado a data de início da greve e só faltava entregar o pré-aviso às entidades competentes. Foi aqui onde, estarrecidos, esbarraram: entregar o pré-aviso a quem?

 

Escolheram uma má altura, pois praticamente tudo o que é entidade competente, na sua maioria esmagadora constituída por gente ladina assustadoramente incompetente, está activamente ocupada a cuidar das suas próprias greves ou a candidatar-se a qualquer coisa no mundo da política intramuros, alguma dela, ainda mais ladina, com o olho posto no outro mundo além fronteiras.

 

Perante este cenário desolador, alguém, sem nenhuma imaginação, diga-se, alvitrou que fossem manifestar-se em frente à casa do senhor Primeiro-Ministro. Lá foram postar-se em frente à residência do senhor Primeiro-Ministro que não os recebeu e nem sequer, por uns momentos, veio espreitar à janela. É mais alguma manifestação, deve ele, e muito bem, ter pensado no meio dos seus trabalhos.

 

Desceram o resto da calçada que lhe passa à porta e foram prantar-se em frente à Assembleia da República. Alguém havia de os ouvir e ficar com o caderninho. Era quinta-feira e já ali reinava uma enorme paz, apenas perturbada por personagens com cara de gente importante que saía a trocar entre si “bons fins-de-semana” apressados, sem neles terem tempo de reparar.

 

Decidiram, logo ali, ir manifestar-se em frente ao Palácio de Belém, pois certamente que Jorge Sampaio, o mais alto magistrado da Nação, não vai aderir às greves dos menos altos e, gentilmente, como é seu timbre, os vai receber para ficar com o amaldiçoado caderno que nenhuma outra entidade competente está de momento disponível para receber.

 

 

***

 

    Vêm aí mais umas eleições autárquicas: gente a pensar nas presidenciais, as greves dos do costume, mais a dos intocáveis magistrados e a voz abafada dos reformados não contemplados com reformas chorudas como as dos gabirus da Caixa Geral dos Depósitos e de outros conhecidos santuários.

 

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