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A lua cheia

 

Francamente, eu não me queria meter nisto.

 

Mas, se me calo, eu que não estou filiado em qualquer partido, eu que não devo favores à política, eu que pago os impostos até ao cêntimo, eu que não tenho qualquer processo prescrito ou por prescrever, eu que não me sobressalto, não coro nem empalideço e muito menos fujo quando na rua gritam agarra-que-é-ladrão, como dizia eu, se me calo, quem vai dizer por mim aquilo que não dizem os que não têm voz, ou aqueles que estão prisioneiros de algum pecadilho ou temem perder longos comboios e, sei lá, até lugar em navios com capacidade de alojamento para a totalidade do povo chinês?

 

Os senhores de Lisboa, como chama, insularmente, o doutor Jardim aos continentais que, infelizmente mais mal que bem até hoje nos vêm governando, estão suspensos! E estão suspensos pelas ameaças “off-shore”, tão ameaçadora e claramente expressas pelo senhor doutor. Ou me dão a lua ou apago-lhes o sol, estão-me a ouvir, aí, seus iletrados do continente? 

 

O povo acostumado e já abatraqueado, imerso no pantanal até às órbitas, nestas revira os olhos trezentos e sessenta graus e perscruta, com um amargurado estou-outra-vez-lixado, esta encenação duma nova batalha de atoleiros. Começa a ter medo, como antigamente; um medo que embora democrático, e que apesar de diferente do de então, igualmente atemoriza e faz abafar vozes, suster respirações e mergulhar cabeças no lodo pútrido dos inóspitos sapais.

 

Senhor doutor Jardim, deixe-nos tentar levantar a cabeça e fazer mais uma desesperada tentativa para sair do charco. A gente depois dá tudo o que o senhor quiser, sem esticar uma só perna nem coaxar uma só vez.

 

Eu, por mim, dou-lhe todos os quartos da Lua, incluindo a lua cheia, veja lá, de que tanto gosto e que a todos permite, ao menos, ter os mais lindos sonhos.

 

 

 

 

*** Alberto João Jardim ameaça da sua ilha os "Senhores de Lisboa", gente do seu partido que acabava de começar a governar.

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