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A minha apresentação

 

Senhoras e senhores, cheguei. Sou a partir de agora o Presidente deste glorioso Clube!”, gritei ao entrar, como faria na atitude e na voz o exuberante Ney Matogrosso.

 

Pulando como um jovem estouvado, com os braços esticados bem no ar, entrei de rompante na sala de imprensa, onde o vasto grupo de repórteres me aguardavam impacientes, todos sentados em frente à mesa onde eu, durante a explanação, me iria sentar, tendo a meu lado os restantes membros da direcção e, como pano de fundo, na parede atrás de mim, os símbolos dos vários patrocinadores.

 

Logo comecei a desenrolar o que a seguir, na íntegra, vou transcrever, com entusiasmo, dum só fôlego, sem nunca me secar a boca nem faltar o ar, varrendo, todos os olhares da sala, para que cada um dos repórteres e mais gente presente sentisse ser o interlocutor privilegiado.

 

“Deixei tudo: a carreira profissional, a casa e a família para me dedicar de alma e coração ao nosso querido Clube, por quem, desinteressado e devotadamente, me proponho lutar para o levar a atingir êxitos e glórias até hoje nunca alcançados.

 

Já a todos cansa ver sempre os mesmos metidos nisto, como se estivessem numa reserva privada. Sei com quem posso contar e que me vão rodear os fiéis apaniguados do costume, muitos esperados invejosos e a habitual chusma de inimigos figadais. Muitas mulheres conscientes vão começar a vir para se juntarem a nós nesta luta, onde até hoje, só os homens imperavam.

 

O meu sucesso far-nos-á poderosos e temidos, e gente de todos os sectores, muito em particular a da política mendicante, virá procurar mal disfarçadamente o meu apoio e disputar um lugar a meu lado para ficar no álbum das fotografias.

 

O desporto, em geral, fascina-me. O futebol, que também é considerado um desporto, e ainda por cima rei, enlouquece-me. Sem nunca ter visto um jogo ao vivo e muito menos ter sido um atleta praticante do que quer que fosse, comecei a sentir-me empurrado para dirigir um grande clube, como é o nosso. Resolvi, depois de muito instado, abandonar tudo para aceitar este novo desafio.

Vou, desde agora, dedicar todo o meu dia, incluindo uma boa parte da noite, a esta nova missão.

 

Sabe-se que os homens, (ignoro se o mesmo se passa com as mulheres), acabadas as reuniões, sejam elas de que tipo forem, se arrastam com conversas estéreis de todos os tipos que se vão degradando e não mais param de falar. Saberei fugir disfarçadamente quando sentir que já não dizem nada e vão começar a ser eles próprios, abrindo as suas débeis válvulas de escape para a saída dos palavrões mais escaldantes e de anedotas próprias dos carroceiros menos educados.

 

Palavrões, a frio, é coisa que não tolero, mas, no calor dos jogos, considero-os indispensáveis como verdadeiros catalizadores do espectáculo, e serei eu o primeiro a erguer-me do meu lugar cativo para os soltar com toda a veemência, no máximo do volume e do poder da minha voz.

 

Os árbitros, que também são pagos para ouvir e engolir o que normalmente ninguém gosta, vão continuar a ser os alvos preferidos, mas também nunca pouparei os adversários que tenham a ousadia de nos pretenderem roubar um ponto que seja. Um jogo sem insultos, sem ameaças, sem picardias, sem assobiadelas, por mais bem jogado que seja, não tem interesse e não é coisa que entretenha e chame gente aos nossos campos de jogo.

 

Agora, que temos um dos estádios mais bonitos do mundo, é altura de mais nos unirmos por todas as formas para nele realizarmos os maiores feitos e alcançarmos as maiores vitórias.

 

Portugal precisa urgentemente de todos nós e, é por aqui, que todos, homens e mulheres devem começar, em vez de enveredarem, como até hoje tem acontecido, quase por favor, directamente pela política.

 

Estou à vossa disposição para responder às vossas perguntas, todos os dias às 20:00, na habitual hora de abertura dos telejornais. Muito obrigado.

 

Determinado, levantei-me para logo sair, olhando em frente, envolto em aplausos e num longo cachecol do clube que alguém, no papel bem estudado de adepto anónimo, euforicamente, me pendurou ao pescoço.

 

 

 

  ***

Uma alusão algo encapotada à Embaixadora Ana Gomes que, na sua ânsia desmedida de subir ao pódio, perde a cabeça, sem nunca perder a língua, e fala, fala, fala, como se fosse a dona de toda a verdade e do mundo. Mas que é desenvolta e fala bem, lá isso, é verdade. 

 

Eu, muito cá para nós, acho que ela faz tudo para ser Ministra dos Negócios Estrangeiros. Isto é um "supônhamos"!

 

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