top of page

A minha casa ainda não ardeu

 

Estou muito contente porque, este ano, a casa onde vivo e que o meu falecido pai me havia deixado nem sequer chamuscada foi pelo fogo que assola e devora o país, literalmente, de fio a pavio.

 
No ano passado tinham-me ardido os anexos, onde guardava as velhas e já cansadas alfaias, antes tinha ardido o pequeno pinheiral, que era o meu fundo de reserva para as maiores aflições, e só me tinha caído o telhado da casa onde vivo que, aos poucos, com a ajuda generosa dos vizinhos, lá consegui refazer.


Nos anos anteriores foi-se-me nas chamas todo o gado, de que me restou felizmente uma vaca, três cabras e duas ovelhitas que pastaram, desde então, nas terras do meu cunhado, a quem agora ardeu o resto da casa e que da horta nem uma couve consegue apanhar para o seu já tão parco sustento.


Ele ainda está mais contente que eu porque, vai para casa da filha mais velha que está casada e desempregada no Porto a viver com o marido que tem um bom contracto a prazo que acaba só em Março do ano que vem, mais os três filhos pequenitos para ir criando com a ajuda do Senhor, que nunca se tem esquecido de nós.


Aliás, cá na aldeia, que quase desapareceu, mas de que felizmente ficou o sítio e se salvou o cruzeiro, todos estamos agora muito satisfeitos, desde que uns senhores, parece que vindos lá de Lisboa ou coisa parecida, sem gravata, mas muito bem vestidos e melhor falantes, como se tivessem a tal gravata posta ao pescoço, nos vieram dizer que o que era possível fazer foi feito e que tudo melhorou nitidamente em relação aos anos anteriores.


Se eles não nos tinham vindo dizer isto, ficávamos de todo desesperados sem saber, nem bem, nem mal, o que fazer às nossas vidas.

 


 

***

    Ano após ano, há sempre uma grande festa com os incêndios de Verão.

 

 

bottom of page