top of page

A minha vocação

 

Quando ouvi, no café, na mesa a meu lado, falar-se na criação de novos cursos universitários, deixei as cruzinhas do totoloto e, tropeçando desastrado no empregado que quase deixou cair a bandeja, com a boca a escorrer manteiga e cheia com o resto da torrada, corri ao quiosque a comprar o jornal que os meus vizinhos de mesa repartiam e jocosamente comentavam entre si.

 

Eu, que há um par de anos procuro um curso que se adapte à minha exigente personalidade e que busco à lupa no vasto e fértil campo de cogumelos universitários as provas específicas que me dêem acesso a uma carreira qualquer, dê-me ela um título, não acabei o café e, deixando ao empregado, com apressadas desculpas pelo encontrão, um perdulário euro de gorjeta, fui directo para casa ruminar as setenta e cinco novas oportunidades que prodigamente se me abriam.

 

Os títulos desses novos cursos eram aliciantes e tinham, quase todos, um alegre cheirinho de festa que logo me seduziu e muito me fez sonhar. Atirei-me aos mais apelativos, os que faziam adivinhar orgias celestiais e falavam em lazer, em recreação, em imagem e também em som. Tudo o que por que sempre tive um fraco, tudo aquilo em que sempre fui forte!

 

Vi-me, com um respeitoso carro preto distribuído, cartão de crédito dourado sem limite de parada e a ganhar, várias vezes ao ano, chorudo ordenado a jogar à bisca lambida, a fazer fortuna a divertir-me em cruzeiros de sonho, a receber balúrdios só por me ver ao espelho e a entrarem-me pela porta dentro carradas de massa por, tão doutoralmente, tocar uma vulgar mas digna pandeireta.

 

Com o muito que sei, não temo as provas específicas que certamente não incluem matemática nem física. Nada virá, agora, contrariar esta minha, por todos e desde sempre, reconhecida vocação?             

 

 

 

 

***  Não pára de aumentar o número novos cursos  universitários

 e muitos outros também chamados superiores. Adivinhem no que isto vai dar.

 

bottom of page