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Andando por aí

 

Não me lembrava do meu primeiro encontro com o Álvaro, nem ele também fazia ideia onde e quando nos havíamos conhecido. Vemo-nos raramente, mas, apesar disso, tornámo-nos há muito bons amigos e algumas vezes nos interrogámos como nasceu esta nossa amizade.


Não andámos na mesma escola, não frequentamos o mesmo café, não moramos na mesma rua, não tomamos o mesmo autocarro, nunca nos vemos no cinema, ambos não fomos à tropa, ele nunca vai ao futebol, eu às vezes lá vou, enfim, não encontramos a ponta desta longa meada que enforma a nossa amizade.


Outro dia encontrámo-nos no átrio da Estação de São Bento. Foi um acaso, pois só nos vimos porque, distraídos, esbarrámos um com o outro, pedindo logo imensas desculpas seguidas de uma boa risada e um forte abraço, quando olhávamos mais uma vez absorvidos e encantados por aquela obra maravilhosa de história e de azulejaria que engalana essa sua entrada a que poucos portuenses dão um mínimo de atenção.

Os forasteiros que usam os comboios entram e saem apressados, alguns passam mesmo a correr, e apenas vemos, com passo lento ou parados, alguns turistas interessados, de máquina fotográfica a tiracolo, a olhar em volta, apontando o dedo para este ou aquele pormenor.


Nesse mesmo dia, veio-nos à memória essa tal primeira vez em que nos encontrámos e ficámos a conhecer, talvez porque desta o encontrão fosse mais forte e nos agitasse os neurónios mais preguiçosos. Concluímos que, afinal, sempre nos vemos por acaso a olhar a nossa Cidade e o muito de belo que ela tem.


Vimo-nos e falámos pela primeira vez, agora disso ambos estamos certos, já lá vão uns anos, na Ribeira a ver o espectáculo da vida e o rio correr mais ou menos apressado, conforme o tempo e a maré, para a sua foz, depois de ter passado, duvidamos que indiferente e insensível, sob a ponte de D. Luís**, após ter feito o mesmo quando passou pela de D. Maria Pia. Que felizardo é este Douro que vem por aí abaixo, deixando a Espanha onde nasceu, para vir pelo caminho a beijar as suas margens, onde, de um lado e outro, se levantam, mais ou menos abruptamente, panoramas deslumbrantes, até encontrar, finalmente, num cenário também fascinante, o oceano que está aqui sempre à sua espera, quantas vezes agitado e intranquilo!


Com bastante frequência nos encontramos na Praça, para alguns ainda do Cavalo para outros da Liberdade, mas para todos, incluindo os eléctricos, simplesmente, a Praça. E aí, infelizmente sempre temos algo para lamentar, como ver, mesmo quase ao pé de nós, o grande crime que desfigura o Edifício das Cardosas, e aquele outro lá em cima, mesmo junto à Câmara, onde se praticou, sem recato nem pudor, um aborto de betão. Não se faz!


É aí, nesse lugar, que nas nossas conversas, percorremos mentalmente, ao acaso no tempo e no espaço, ruas, praças e jardins do nosso Porto. Muitas vezes temos recordado o verdadeiro Palácio de Cristal, um já perto de ser esquecido edifício quase todo em ferro envidraçado, que foi selvaticamente arrasado, de ânimo leve e pá pesada, para no seu local, que devia ser sagrado, nascer um aberrante cogumelo com olhos, para albergar, como é costume muito à pressa, um qualquer campeonato do mundo de hóquei em patins. Está feito, mas se aquilo era coisa que se fizesse, que não se fizesse ali!


Foi o Porto que nos fez amigos.


O que mais receamos é que alguém, sem ponta de gosto nem senso, resolva um dia destruir as razões que forjaram em nós e em muitos outros portuenses, este tipo de amizades e nos venha, ainda por cima, apelidar de tacanhas botas-de-elástico.
 

 

 

 

*** O verdadeiro nome da ponte é Luiz I e não D. Luís, com quase todos lhe chamam.

 

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