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Andar de Popó

 

Os nossos parlamentares, desde o passado dia 19 de Dezembro de 2003, estabeleceram, em sintonia quase absoluta, novas regras para a utilização de carros atribuídos a algumas figuras que ocupam cargos mais importantes no Parlamento.

Segundo li, apenas uma voz dissonante, que é membro da Mesa da Assembleia da República, e julgo que é uma das que devem ter direito a carro, discordou das novas directivas, fazendo mesmo uma declaração de voto a justificar a sua posição: o novo regulamento é imponderado e descredibilizador, permitindo as mais variadas efabulações.

Efabulações, como salta aos olhos, fazem-se com fábulas e (vou buscar a ajuda do dicionário) fábulas são narrativas de acontecimentos inventados feitas para moralizar, ilustrar ou divertir e onde, em geral, entram animais a falar como pessoas.

Exemplifica o referido deputado: as viaturas são para uso pessoal e os usufrutuários abrangidos pelo regulamento podem nelas ir à pesca ou ao futebol, mas já não podem delas servir-se para realizar trabalho político.

E assim, preconizo eu, se corre o risco de ver, num qualquer fabuloso comício partidário, um qualquer parlamentar motorizado, que quer parecer cumpridor, levar o carro que lhe foi atribuído a falar às massas apoiado numa cana de pesca com o cachecol dum qualquer clube, do coração ou de conveniência, caído pelos ombros.

Outros senhores deputados que, pelo que deduzo, não fizeram declaração de voto, mostraram apenas estranheza (já não é nada mau!), por acharem que com estas alterações há a possibilidade de o beneficiário usar a viatura e ao mesmo tempo, por meio de um subterfúgio qualquer, continuar a receber o subsídio de deslocação.

Esta última conclusão deixa completamente banzado qualquer cidadão honesto, sobretudo quem saiba que, há cerca de um ano, o Tribunal de Contas enviou à Assembleia uma recomendação, precisamente, para que fosse clarificado o recurso aos carros do Estado, por haver um vazio legal que permitia aos mais fabulosos utentes ter uma viatura de serviço e, ao mesmo tempo, receber o tal subsídio de deslocação!

Eu e muitos outros como eu achávamos que, no local respeitável que está em questão, fosse coisa impensável poder acontecer andarem por lá pessoas, que elegemos para nos representar, à procura de vazios legais e de subterfúgios de qualquer tipo para praticarem acções de nível demasiado mesquinho.

Digam-me, para meu alívio, que tudo isto é apenas uma fábula, contada, nos Passos Perdidos, pela gente honrada e com autoridade moral que por lá há, como forma de ensinar aos caloiros ou relembrar aos cábulas mais astuciosos que ali é um lugar digno, onde não apenas se fazem mas também se cumprem escrupulosamente as leis, e não um local promíscuo onde alguns que falam como pessoas apenas procuram os seus ocultos vazios para a elas fugirem.

Se assim for, levem todos o carro para onde muito bem quiserem, na condição de cumprirem exemplarmente as regras de trânsito, para que, com o carro que eu a tanto custo também ajudei a pagar, não acabem por me passar a ferro sem me darem tempo sequer de soltar um pequenino ai.

 

 

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