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As minhas colecções

 

Nunca fui dado a coleccionar qualquer tipo de coisas, e muita pena cheguei a ter por não haver tido essa propensão na altura própria, quando era mais jovem e tinha bastante tempo, (como se veio a verificar), à minha frente, para juntar organizadamente fosse o que fosse. Era preciso tempo livre, saber, disposição, paciência, método, pertinácia, gosto, espaço, motivos aliciantes, também algum dinheiro e muitas coisas que da arte de coleccionador certamente eu desconheço.


Conchas, pedrinhas, latas de refrigerantes, caixas de fósforos, postais, moedas, capicuas, caricas, carrinhos miniatura, selos, canecas, botões, tudo isso tentei juntar, para, ao fim de meia dúzia de peças, sempre acabar por desistir. Nunca tentei carros antigos, por razões de espaço, nem borboletas livres e indefesas, por razões de sensibilidade e ética; espetar-lhes no fim da caçada, de forma vil e traiçoeira, um alfinete pelas costas é cobardia que não posso conceber e vivamente me custa a aceitar.


Agora, que me parecia ser mais que tarde ir começar a coleccionar qualquer coisa, não apenas porque o meu tempo se está a esgotar, mas pelas exigências que acima referi para se ser um coleccionador, pelo menos do meio da tabela, resolvi, impelido por enormes forças exteriores, dar o gosto ao dedo e entregar-me, com entusiasmo, até aqui nunca experimentado, a compilar, sob várias formas, fotografias com os feitos dos autores de escândalos e patifarias de toda a monta que, todos os dias, sem muito esforço e saber, quase sem ter de sair à rua, me saltam à vista nas páginas dos jornais, das revistas, na televisão, ou aos ouvidos, em toda a parte, umas vezes, sussurradas, outras murmuradas e na maior parte das vezes, bem alto gritadas.


Já tenho um número vastíssimo de peças, (e só me dedico às mais valiosas!), e estou na fase de organizá-las por temas, de modo a rapidamente estarem acessíveis a mim e a todos os demais interessados em, expeditamente, as consultar.

A minha colecção tem um pormenor que um tanto a desvaloriza: as peças, embora valiosíssimas, infelizmente, não são raras e, cada dia que passa, mais exemplares aparecem, menos raras as tornando, o que para todos, e não só para mim, é muito mau. Também não tem peças únicas, desde já aviso, embora também todos já o devam mais que saber e disso nada se admirem.


Não é fácil, e, como imaginam, sintetizar em meia dúzia de palavras os feitos de cada um dos espécimes é tarefa árdua; nalguns casos são por demais extensos os currículos e, casos há, para mais complicar, em que a mesma peça, como os “jokers”, se encaixa em múltiplas áreas temáticas.


Dado o tal problema de falta de espaço, e porque não tenho “lá” ninguém amigo que me subsidie para fazer uma espécie de museu de artes modernas, vou apresentar ao público o meu trabalho sob várias formas, acessíveis em todos os aspectos.


Assim, por temas, vou publicar uma enciclopédia em vários volumes, autocolantes, baralhos de cartas e, para os mais miúdos, figurinhas de passar como havia antigamente e CD-Rom como há actualmente. Tudo isto irá, por mim e pelos meus futuros colaboradores, sendo periodicamente actualizado e é desse modo que eu, realmente, espero ganhar algum dinheiro, como sempre, honestamente.


Não prometo, conquanto tal me viesse agora fazer um jeitão, é que, mais tarde, venha também eu a ser mais uma peça desse tal museu por que, em vida, tanto e tanto lutei.
 

 

 

 

*** A gente do meu país está em queda

 

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