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Batam com muita força no vidro

Antes de lerem esta pequena crónica, se para tal tiverem pachorra, devem primeiro ler uma outra que no passado mês aqui escrevi, chamada  "Não batam no vidro", e que está no Índice).

 

Já sei que vão dizer: “tanta conversa, tanta conversa e lá vai ele voltar a meter-se noutro cruzeiro!

 

Vão-me perdoar a incoerência e até alguma desfaçatez, mas a este cruzeiro tenho mesmo que ir. Não pelas quatro piscinas, não pelos treze bares, não pelos cinco restaurantes e não, muito menos, pelas centenas de Jacuzzi que antevejo espalhados por toda a parte, incluindo, os instalados nas vastíssimas cozinhas e nas grandiosas lavandarias, mas por algo muito mais irresistível que me deu volta à cabeça e fez voltar com a promessa atrás.

 

Desta vez, vou num outro navio, este chamado “Serena”, da mesma companhia a que pertence o “Marina” que me levou a ver alguns dos belos fiordes da Noruega até alcançar, lá no cimo tudo, o Cabo Norte que eu, devido ao frio e ao nevoeiro, fiquei sem ver bem se é bonito ou não.

 

Vou navegar no "Serena" desde Veneza, (Itália), até Drubovnivk, (Croácia) e vamos parar em Bari (Itália), Katalon, Mykonos e Rhodes (Grécia), uma mão cheia de terras bonitas cantadas por alguns muito célebres e imortais poetas.   

 

O “Serena”é bastante maior que o “Marina” e só este seu pacífico e atraente nome quase bastava para me seduzir.

 

Mal chegue a Veneza, meto-me logo na primeira gôndola que aparecer e peço ao gondoleiro para me levar na sua melhor paulada ao cais onde já deve estar ancorado o “Serena” para, sem muitas conversas, logo nele me enfiar.  

 

Com muita pena minha, não vou parar um só minuto em S. Marcos rodeado por pombas chatas e curiosas à espera das minhas inexistentes migalhas e a olharem-me desiludidas a beber uma mísera Coca Cola na esplanada do Florian ao som da sua orquestra, sempre a tocar aquelas músicas muito lamechas de que há muito já sei as letras de cor e salteado.

 

Para esta nova aventura, escolhi um camarote interior, (para que ia eu gastar mais dinheiro?) onde espero vir a passar muito pouco do meu precioso tempo: vou lá dormir rapidamente, no espaço de tempo suficiente para recuperar o máximo das forças de modo a poder estar bem atento a tudo que se vai passando bem dentro do navio.

 

Não tenciono sair em qualquer dos locais anunciados, nem tão-pouco penso vir a interessar-me, em qualquer instante, por saber onde estou nem para onde vou.

 

Estou-me nas tintas para ver coisas que estou cheio de ouvir dizer serem encantadoras, tudo confirmado pelas milhentas fotografias que os amigos me vão mandando, sem tréguas, via e-mail, com o Clayderman a acariciar suavemente as teclas do seu lustroso e muito bem afinado piano, com velhas e imortais melodias que lhe fazem abanar a cauda (do piano).

 

Vou estar sempre alerta. Muito alerta!

 

Quero ir a tudo onde possa cheirar a Pelé, o sempiterno rei do futebol que foi convidado para ir, naqueles dias todos, navegar-se pelo Mediterrâneo, e sabe-se lá, Deus permita que sim, vir a comer do mesmo menu, sentado à minha mesa, toda ela cheia de audaciosos navegadores de fala portuguesa.

 

Pela certa, nessa nossa mesa vai estar tudo gente, pelo menos triplamente,  feliz:

por ir num cruzeiro,

por ignorar completamente a crise e

por não saber nada do Novo Acordo Ortográfico.     

    

Escaldado, nunca mais voltarei a insinuar sequer que este ou outro vai ser o último cruzeiro da minha vida.

 

Todos hão-de vir a compreender que, se um dia o convidado for o nosso tão idolatrado Eusébio, que tanto glorifica o País, vou ter mesmo de voltar a reincidir.

 

Para meu descanso, que, embora algo desconfiado, espero não seja ainda o eterno, já marquei, completamente no escuro, sem cá pensar em datas, rotas ou crises, essa que,  julgo eu, há-de ser a viagem da minha vida,  com a garantia expressa, preto no branco, no contracto de que Eusébio vai comer mesmo a meu lado, ombro a ombro, para assim podermos conversar entusiasmadamente sobre tudo de importante que vai pelo mundo, (menos de futebol), enquanto vamos apanhando cascas e mais cascas dos tremoços e dos camarões que, apesar de todos os nossos imensos cuidados, com o balanço do navio, sempre hão-de ir caindo pró chão.  

 

 

 

 

***

 

Não vá eu ter o azar de, por maldade ou estupidez, não entenderem a minha ironia, como acontece à  desajeitada senhora dra. Manuela Ferreira Leite sempre que se mete nisto de dizer graças, juro pela minha honra que não vou participar neste cruzeiro onde vai como convidado o famoso Pelé.

 

Exigi a mim mesmo que tudo isto ficasse aqui lavrado nesta Acta, para ser lido, em voz bem alta, sempre que houver quaisquer dúvidas que me possam comprometer, como está a acontecer a muita gente safada muito bem cotada, que vê, com algum incómodo, mas muito lauto proveito, o seu nome manchado no caso do Banco Português de (este e de outros) Negócios (muito escuros). 

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