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Candidato-me à eternidade

 

Antes de tudo, quero dizer que já tenho mais que idade para ter juízo, embora isso não seja garantia de que o tenha na íntegra, como me faz lembrar o velho e comprovado adágio de cabeceira que diz que quanto mais velho mais tonto.


Vamos admitir que tenho juízo suficiente e que de tonto ainda pouco tenho, embora uma boa parte das gentes diga que não, e outra, onde estão os meus indefectíveis e desinteressados fiéis, diga que sim.


Esclareço os mais distraídos que ainda não me conhecem e alguns dos traídos que alegremente já há muito me toparam que o meu real sonho é que me erijam uma luxuosa e megadimensional pirâmide, só minha, onde faraonicamente vá passar alguns dos muitos fins-de-semana que ainda espero viver e os praticamente eternos milénios de imortalidade que estão para vir.


Não quero esfinges nem outras pirâmides meia-tigela perto de mim. Quero estar, como o outro pobre diabo a que não deixaram sequer erigir um busto para ser vilipendiado, orgulhosamente só.


Não quero nada à minha volta que venha perturbar o meu respeitável santuário, confundindo os meus devotos peregrinos e desviando turistas ignaros que andam por toda a parte, de alpergatas de marca nos pés e com a língua de fora na boca, a tirar fotografias a qualquer mastodonte de catálogo que lhes impingiram, em português e espanhol, no agente de viagens e, em inglês e alemão, na recepção do hotel.


Não me levem a mal, mas eu, sem vaidade de qualquer tipo, quero para sempre ser venerado por aquele nobre povo que não tinha onde cair morto e a quem, num dia que vai ficar na História, restitui, até à sua definitiva queda, a alegria de viver.
 

 

 

 

***
      Um dos sonhos do impagável Mário Soares

 

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