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Carta de Isabel II

 

London, March  MCMXC

 

Dear Mister Fin & Cisa,

 

As minhas desculpas por só hoje vir responder à sua tão amável e gratificante carta.

 

Vimo-nos aflitos para encontrar o seu endereço, de modo a podermos retribuir a gentileza que o senhor Cinzen teve para connosco.

 

Aqui no Palácio, uns teimavam que Portugal devia ser na Espanha, outros diziam que era no Algarve e havia mesmo outros que juravam ser ao lado de Marrocos.

 

O meu querido marido, Philip, que é muito coca-bichinhos e tem um atlas muito antigo que lhe deixou o tio por parte do pai, lá conseguiu, à força de lupa e de muito tempo, encontrar a Quinta do Roebero des Vincent, ajudado que foi por um mordomo muito trigueiro galego que veio para cá de mama e é filho duma costureira que cá dá umas tardes. Arranha muito bem o português e tem aí uns parentes afastados na Urrah, perto de Oportaleggre.

 

Curiosos, fomos depois consultar o nosso Livro dos Assentos e, veja lá, aí encontrámos que já tínhamos estado em Lisbon e em Oporto há um bom par de anos atrás! Então, é que começámos a puxar o fio à meada e surgiu um monte de belas recordações.

 

O Rei que agora reina aí, que cabeça a nossa, afinal, conhecemos nós muito bem. É um senhor pró gordo e muito bochechudo que tem o costume de se pôr em mangas de camisa para ser muito popular. Como deve muito bem saber, antes de ele ser Rei e quando era Chefe da Secretaria, passava a vida a pedir emprestado dinheiro a toda a gente. Ainda hoje continua a passar muitas vezes por aqui para comprar gravatas e peúgas de boa seda e roupa de baixo da nossa melhor popelina.

 

Deve ser pessoa muito mãos largas, porque traz sempre com ele muitos vassalos e penduras para além da sua esplendorosa Corte. (Aberta, como ele gosta de lhe chamar).

 

A sua gentil esposa compra sempre aqui muitos casacos de tigre, crocodilo, pantera, antílope, e outra bicharada em vias de extinção (por causa dela e doutras como ela). Dizem que gosta muito desses animais e que ao menos os quer sentir juntinhos à pele.

 

 E vai tudo para a mesma conta, que é aquela que o Senhor Cinsier também ajuda a pagar.

 

Sua Majestade o Rei vem quase sempre em trânsito e vê-se que só gosta de coisa boas, de laurear e comer bem e do bom.

 

Se adrega visitar-me, não me canso de com ele falar francês. Um encanto de pessoa com quem sempre aprendo umas paroles e aperfeiçoo, como com ninguém, a pronúncia, que é o meu ponto mais fraco e dele o mais forte.

 

Creia, senhor Seezer, que a sua carta deixou toda a Casa Real muito sensibilizada e confundida com os elogios que teceu a alguns dos meus súbditos; habituados que estamos a apenas ouvir queixas e mais queixas deles, por causa da merda (sorry) do futebol, que nos tem trazido muito mais canseiras e chatices (sorry, again) que as Faulklands, (Malvinas, segundo aqueles tangaceiros), todas juntas, o IRA e o Salmon Rushdie, imagine a nossa alegria!

 

O senhor Ceaser nem imagina a reinação que foi por aqui quando o tal galego acabou de nos ler a sua amável carta! Olhe, mandei tirar no melhor pergaminho uma fotocópia e, eu mesma, ainda em chinelos, a fui afixar lá em baixo, à entrada, na porta principal; só para aqueles paspalhos saberem que isto aqui também tem gente que lava o cabelo e sabe estar à mesa. Quando eles acabam de ler o pergaminho, atiram de imediato um novo tipo de olhar para minha casa, que logo fica como um palácio a olhar para os bois, e desatam logo a bater chapas e mais chapas, ante que se acabe o rolo noutras futilidades, tipo chafariz de Trafalgar Square.   

Senhor Cesarfin, nós não somos frios nem distantes nem ingratos, como se diz para aí. O Senhor prestou um serviço, à Coroa Britânica e ao meu Povo, de alcance incomensurável.

 

Falei com a minha empregada a prazo, a D. Margarida Tacha, e num plenário, as duas a sós, resolvemos, apenas com um voto contra, distingui-lo com a M.B.E. e a Ordem da Jarreteira. Esta ser-lhe-à imposta, em data a combinar, quando chegarem as ligas tamanho S que encomendámos para gente de perna curta, como me dizem, é o seu caso.

 

Estimado Senhor Cerafeeny,

aceite da Coroa Britânica as mais Sinceras e Reais Homenagens.

 

A Bem das nossas queridas Nações

 

Elizabeth, R.

 

 

 

 

 

 

 

** 1. Esta “carta”, cujo original guardo religiosamente, veio responder a uma minha que enviei a Sua Majestade a Rainha Elizabeth II a dar-lhe conta das qualidades dos seus súbditos que comigo, em Portalegre e no país onde reina, trabalharam para a fábrica, a FINICISA, onde exerci a profissão.

 

A FINICISA tinha 50% do seu capital nas mãos da ICI (Imperial Chemical Industries) e os outros 50% nas dos irmãos Fino.

 

Ao deixar-nos a ICI, ficaram-nos saudades dos muitos amigos britânicos que por ela passaram. Disso, na minha tal carta, dei conta a Sua Majestade que, perante ela e logo que pode, teve a amabilidade de muito gentilmente me responder.

 

2. Nesta “carta” resposta, Sua Majestade, como vêem, nunca acerta com o meu nome. Também não acertou em Quinta do Ribeiro de S. Vicente, nem em Urra (uma aldeia aqui ao lado), nem em Portalegre.

 

Nos trinta e tal anos que trabalhei na FINICISA, os britânicos chamaram a mim e à quinta onde foi construída a fábrica, os mais inesperados e hilariantes nomes. Recortei de envelopes das cartas que nos enviavam muitos desses exemplos que também preciosamente guardo. A incapacidade dos ingleses de aprenderem palavras estrangeiras é qualquer coisa de notável, incurável e que lhes está no sangue!

 

De tantos amigos que fiz, só um tentou e conseguiu aprender um pouco de “português”. Foi o Roger Roper. O Joe Collins também tentou, misturando um espanhol de bolso que usava nas férias quando passava no sul de Espanha. Em vão! O Roger todos os anos me manda, anexa às Boas-Festas, um cartinha a contar coisas em “bom” português, que me demora horas a traduzir para “mau” inglês, para ver se consigo retroverter para “razoável” português que eu consiga mais ou menos entender.

 

 

 

3. Foram-nos chamados, a mim e à empresa, os seguintes nomes, enquanto nela trabalhei. Incluo o que nos chamaram, (que eu notasse ou soubesse), não só os ingleses, mas também os alemães e muitos portugueses:

 

A.  a mim ( Isolino Braga):

 

            Bocage

            Brage

            Bragge

            Bravada

            Graba

            Bolino

            Esolino

            Idelino

            Inleiro   (esta foi um pouco forte)

            Insolino

            Isalino

            Isaulino

            Isoldino

            Isolina

            Isolindo

            Isolono

            Issoline

            Issolino

            Lino

 

B. á quinta (Quinta do Ribeiro de S. Vicente):

 

            Quinto do Roberro des Vincenta,

            Quinta Do Roeberro De St Vincinte,

            Quinta Des Vincente

            Quinta do Libeiro de S. Vincente,

            Quinto do Rebeiro de S. Vincente

            Quinta do Roeberro de S. Xincent 

            Quinta do Rorverro drs Vincena

 

C. à empresa (Finicisa, Fibras Sintéticas, Sarl):

 

          Finisca , Finisca-Fibras Sarl

          Finicisa, Fibras Sinéticas

          Finicisa-Fivras Sintetcas

          Finicisa Fibras Syntecas Sal

 

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