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Com os cabelos em pé

 

Aqui há uns tempos, resolvi, depois de muitas indecisões, fazer uma implantação de cabelo. Era horrível andar de capachinho por todos os motivos e mais um.

O vento, o calor, a chuva, a cama, o banho, uma visita abrupta e inesperada, uma corridinha para o autocarro, e tantas outras causas, contidas naquele infindo "mais um", puseram-me em situações tão caricatas e embaraçosas que, cheio de ser alvo de mal-educadas chacotas, e não querendo assumir a calvície, decidi tomar tão difícil resolução.

Indicaram-me um médico de nome, especializado nessas coisas capilares, e, decidido, fui tratar de tudo para que ele me escondesse a calva e devolvesse um pouco da alegria de viver. O processo demorou o seu tempo e lá se me foram umas massas de pôr os poucos cabelos laterais que me restavam rigorosamente espetados em pé.

Permaneci todo esse tempo incubado, sem sair à rua, com uma espécie de turbante sempre enrolado na cabeça, longe das vistas de toda a gente, e com o aviso solene espalhado lá em casa para que dissessem que eu estava para fora e só regressaria daí a uns tempos, talvez pelo Natal.

Chegou finalmente o ansiado dia em que fui ao consultório para que me fosse retirado o tal turbante. Céus! Eu, que até aos meus vinte e poucos anos sempre tive o cabelo de origem bem liso e de um castanho muito escuro, estava agora de cabelo encaracolado, como o de um negro retinto a que só se vêem os dentes, e loiro como o de uma sueca a que apetece ver mais coisas.

Estava mais que ridículo e quase irreconhecível. Não digo aqui o que disse na altura ao médico "paisagista", mas avisei-o de que o ia pôr em tribunal. E pus!

Passaram-se anos de adiamentos e mais adiamentos até que chegou o almejado dia do julgamento final. Acabei, surpreendentemente confesso, por ganhar a causa e fui indemnizado com uma grossa maquia pelo tal médico, sustentado o veredicto por uma série infinda de artigos e alíneas que o meritíssimo juiz encontrou a meu favor.


Soube, tempos depois, que médico e juiz se conheciam e odiavam politicamente, sendo o primeiro militante destacado de um partido e o segundo primo direito de uma tia minha, que milita activamente num outro, situado num quadrante dos antípodas. Eu, parvo, que não milito em nada, aparei os rancores do médico e, por vias travessas, fui vingado pelos do juiz.

Agora, ando com o cabelo muito bem rapado à escovinha e ninguém sabe se sou loiro ou moreno, e só os muitos chegados sabem que, basicamente, sou careca.

Um amigo meu, que é um jovem coronel do Exército, já há anos numa forçada reserva, e que sabe que sou careca, deu-me um conselho que não quero só para mim: Sempre que te vires envolvido numa batalha, não contes apenas as armas e as munições, conta também com os ricochetes.

 


 

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Crónica inspirada num caso real de amizades entre "polícias e ladrões"

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