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Crime premeditado

 

Quando surgiu um campo de golfe na zona paradisíaca de Castelo de Vide / Marvão estava eu, inocentemente, longe de imaginar o que poderia um dia vir ali a acontecer.

 

O campo, que é bonito e se desenvolve harmoniosamente bem junto da também bela estrada ladeada de frondosas árvores, a chamada Estrada da Vida, que une as duas localidades, começou a sofrer já as consequências nefastas de se ter tornado num local excepcionalmente aprazível, integrado, sem qualquer tipo de violência contra-natura, numa zona privilegiada que o Homem por maldade ou incúria, a tempo, não soube ou não quis integralmente proteger.

 

 Nada de mau certamente teria sucedido se, em vez de um campo de golfe, lá tivessem decidido amanhar couves, nabos, abóboras, melancias, melões ou qualquer outro tipo de cultura que não agredisse a vocação natural daqueles férteis terras, quase ajoelhadas em reverência aos pés daquela bonita serra que sustenta lá no alto a incomparável Marvão.

 

Mas os campos de golfe, como todos estão cheios de saber, necessitam de muita água e este, como muitos outros que há por aí, precavidamente, trazia imensa água no bico.

 

Alguém com brilhantes ideias, aposto que bem ocultas e preconcebidas, apoiado por uns tantos outros sem o mínimo delas ou insensíveis a tudo o que de belo os rodeia, logo (ou muito antes?) se lembrou de sugerir a invasão da aba da serra fronteira ao referido campo de golfe para, (adivinhem), fazerem um complexo habitacional com casinhas muito atraentes no papel com vistas encantadoras e privilegiadas para os “greens”, alcançando com a vista, de qualquer varanda ou janela, o fundo de boa parte dos buracos.

 

Estou a ver os promotores a venderem essas atraentes casinhas com que devassaram e espezinharam a serra, a fixarem os preços ao buraco. O negócio é mais que límpido. Os valores vão de um, e se não erro, a dezanove buracos. Como a vista de cada buraco vale um certo número de milhares de euros, qualquer um, com uma simples conta de multiplicar, sabe prontamente quanto terá de pagar.

 

Mas, a ganância e outras coisas que eu não digo hão-de um dia alterar as regras do golfe, pelo menos em Portugal, aumentando indefinidamente, até onde a erva chega e a vista alcança, não apenas o número de “greens”, mas ainda o número de buracos por “green”.  

 

Qualquer investidor, por menos astuto que seja, pode desde já antever a pipa de massa que o seu privado miradouro vai, num ou mais pulos, segundo a evolução das regras do golfe, passar a valer.

 

E, assim, mais uma vez, onde esteve uma paisagem natural encantadora, passou, num grosseiro e cansado golpe de magia, a estar uma mina esgotada, com o aspecto desolador que todas as minas sem mais filões rentáveis deixam sempre no seu rasto.  

 

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