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De morte natural

 

A família e os mais chegados, como eu, achavam que um querido amigo de todos nós não andava nada com bom aspecto e devia consultar, o mais urgente possível, um bom médico. Ele, metendo a cabeça debaixo da asa, procurava, de todos e de si, esconder que não estava bem.

Uma destas terças-feiras, lá foi a um muitíssimo conceituado clínico, por sinal um grande amigo seu desde os longínquos tempos da infância. Para além de lhe mandar fazer uma série de complicadas análises, logo ali lhe receitou uma série de medicamentos para tomar em jejum, a meio, antes e depois de tudo, ao deitar e de oito em oito horas.

 

Via-se, por trás do seu sorriso amarelo, que do que ele suspeitava era de coisa bem grave que justificava que o amigo fosse para casa mais preocupado do que quando dela tinha saído. Despediram-se e notou-se, no seu estranho adeus, um sinal diferente a acentuar a sua longa e grande amizade.

Quando vieram os resultados das análises, logo o meu amigo lá voltou, desta vez muito mais ansioso e acabrunhado do que da primeira. O amigo e médico, profissionalmente impassível, apreciou todos os índices e valores lá apresentados, mas, desta vez, viu-se nitidamente que o amarelo do seu anterior sorriso passara, quase bruscamente, de lívido a incolor.

Tens de ser operado quanto antes, senão nem vais a tempo de ficar arrependido, disse-lhe ele a enganá-lo desajeitadamente sobre a gravidade do seu estado, com um pouco de humor cinzento muitíssimo escuro.

Daqui em diante a estória é ainda mais triste e longa, cheia de baixas cobardias, odiosas hipocrisias, vergonhosos desleixos e indecorosas peripécias que levaram o meu amigo a ruir num ápice, qual ponte que, por causas naturais, perde um pilar, como sentenciosamente disse um senhor que tem uma pequena oficina de carpintaria e que ia a meu lado no funeral.

 

 

 

*** Acerca do dramático ruir dum pilar da ponte Hintz Ribeiro que ligava Castelo de Paiva a Entre-os-Rios. O ministro responsável (Jorge Coelho), "dignamente", demitiu-se para que a culpa não morresse solteira, como ele afirmou.

O ex-Ministro foi casar-se com um empreiteiro de  nomeada ...  

 

TOPAS?

 

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