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Dizer mal

 

Dizer o que está mal não é o mesmo que dizer mal. Dizer mal destina-se, como norma, a corroer e a minar com o fim de arrasar e destruir; dizer o que está mal, pelo contrário, tem como fim apontar o que está errado, para que os defeitos possam ser corrigidos e no futuro evitados.

É mais comum apontar-se o que está mal do que o que está bem, tal como é mais corrente ouvir-se dizer mal do que dizer bem. Mas isso é verdade porque, infelizmente, há muito mais coisas que estão mal do que coisas que estão bem e porque, pela própria natureza humana, há muito mais gente que se satisfaz em dizer mal do que em dizer bem.

Fazer sempre bem devia ser a regra, fazer mal a excepção. Esta devia ser prontamente detectada, num apertado e permanente controlo de qualidade, para que, a tempo, se fizesse a correcção ou mandasse o produto defeituoso para trás, para ser devidamente corrigido ou mandado para a sucata, se possível, para ser reciclado.

O elogio devia ser feito mais na razão inversa do desperdício produzido do que na razão directa do que saiu bem feito.

Dizer que o jardim está bem tratado, que a rua está limpa, que as coisas estão arrumadas não precisa de ser motivo permanente de citação por ser essa a situação esperada, que apenas se deve ir registando, com agrado, especialmente com vista a detectar a tempo o que vai mal, para corrigir os desvios e evitar situações gravemente irreversíveis.

Mas, quando o contrário se verifica e se acentua o desleixo, se vê imperar o mau gosto e propagar toda a espécie de crimes, como os gravíssimos que afectam o meio ambiente e destroem tudo, desde a maior cidade até à mais pequena aldeia, há que chamar à atenção, há que levantar a voz, há, se for necessário, que gritar até à rouquidão para que os responsáveis oiçam os nossos apelos e os irresponsáveis sejam afastados ou, pelo menos, obrigados a arrepiar caminho.

"Errare humanum est" é um velho conceito que qualquer reconhece como verdadeiro, bastando pensar em si próprio e nos erros que ao longo da sua vida vai cometendo.

O maior erro não é errar, mas sim não saber reconhecer os erros e, teimosa ou até malevolamente, neles persistir, apesar das chamadas de atenção e à vista dos resultados obtidos.

Em democracia, todos podemos exprimir livremente as nossas opiniões. E apontar o que está mal é um dever cívico de cada um de nós. A democracia, o sistema de governação até hoje considerado como o menos imperfeito, tem, como se sabe, a grande falha da imponderabilidade. Isto é, tanto pesa o voto de quem está informado e sabe pensar pela sua própria cabeça, como o do ignorante incapaz de ver dois palmos à sua frente, como o do sensato ou o do cretino e como o do honesto ou o do corrupto.

Os demagogos sentem-se como peixe na água no meio dos mal informados, dos ignorantes, dos cretinos e dos corruptos. Daí que possam surgir maiorias absolutas de palavrosos incompetentes que, dentro da maior legitimidade, fazem todo o tipo de disparates, muitos deles verdadeiras atrocidades, que ficam indelevelmente marcados para todo o sempre.

 

 Destes, por muito que isso nos confranja, apenas nos resta como arma de defesa dizer todo o mal que se lhes assenta sem uma única ruga, porque é tempo mais que perdido apenas dizer-lhes, qualquer que seja o nosso tom de voz, o que não está bem.

 

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