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Eins, zwei, drei...

 

 

Ouve-se, como em chão granítico de rua deserta, o bater vibrante e compassado de tacões de botas luzentes, enfiadas, quase até ao joelho, por cima de calças de amplo fole que cobrem pernas rígidas oscilando, num movimento pendular de grande amplitude, nas cabeças bem lubrificadas de longos fémures de alta resistência e extrema precisão.

 

Cabeças, duras, altivas, com nucas largas e rectilíneas, encimam troncos arianos de largos pulmões plenos de ar.

 

Braços, muito bem estendidos e rígidos, oscilam nas axilas com a mesmíssima frequência com que as pernas, de joelhos rígidos, se movem no seu topo superior.  

 

O ar marcial, a rigidez das faces, o olhar severo, um monóculo aqui, outro ali, o boné de pala curta e frente bem arrebitada para cima, o side-car, as braçadeiras, a metralhadora, a continência violenta e rápida, fazem arrepiar e inspiram terrores adormecidos aos que, já escaldados, os imaginam, quando assentes nos novos arraiais, a proceder às primeiras execuções.  

 

Alas expectantes de lusas gentes, humildes, reverentes, muitas já subservientes, como é sina milenar, acomodadas durante anos a viver sob o dócil domínio dos representantes da branda Coroa Britânica, trazem já flâmulas de papel enroladas, prontas a abrirem-se ao vento para receberem, com júbilo amarelo e muito desbotado, a “Wehrmacht”, toda ela disciplina, cheia de fibra poliéster de alta tenacidade, plena de garbo, orgulhosa do seu heróico e glorioso passado, ainda bem vivo na memória dos poucos sobreviventes.

 

Os Lusos, povo de gloriosa História e de valentes gentes, esquecidos já das suas conquistas e das guerras que lhes deram mais fama que minguado proveito, falam entre si, em voz baixa e velada, com risinhos abafados de freira carmelita e comentários, tipo capicua, de mim para ti, de ti para mim, isto aqui para nós.

 

Diz-se que, mas ninguém diz nada. E, entre eles, há quem já muito saiba e já divise o galho, prepare a escada e se treine a rastejar ainda mais rente ao chão.

 

As pobres gentes, de corda ao pescoço, como o nosso Egas Moniz, sem a sua nobre intenção de salvar a honra, mas sim a pele, arrastam a existência numa expectativa, prolongada e dolorosa, que lentamente corrói e, aos poucos, alguns vai matando.

 

A Nova Ordem vem aí. Começam a abrir-se livros com terríveis declinações e assustadoras palavras encadeadas, com metros de comprimento.

 

Aparecem nomes masculinos que para os Lusos são femininos; surgem os vice-versas; proliferam, para ainda mais pavor criar, os neutros, que não são vice nem são versa.

 

Aprende-se a balbuciar, nesse agressivo dialecto que fere as cordas vocais e arranha as paredes da traqueia, bom-dia, adeus, obrigado, como está. Tenta-se aprender a contar até vinte.

 

Deus permita que estejamos vivos os anos suficientes para, pelo menos, conseguirmos ver essa gente saber contar até cem.

 

Hoffentlich

 

 

 

 

*** Os rumores da tomada da FINICISA pela tropa alemã confirmaram-se.

 

     Mein Gott ... die Endlösung!

 

 

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