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Estádios do futuro

 

A construção dos novos estádios para o Euro 2004 tem sido notícia por todas as razões e, agora, …mais duas. Daqui a quarenta e tal anos, se tanto, ninguém se lembra destas peripécias, e, apesar de ainda não haver dinheiro, já começa a falar-se na demolição destes, já obsoletos, e na construção de outros quinze ou vinte, super-apetrechados com as últimas novidades tecnológicas.


O Euro 2048, a realizar, mais uma vez, em Portugal, com o orgulho habitual dos portugueses mais parvos, (cerca de dez milhões, sem contar com os nossos emigrantes), vai também fazer correr muita tinta, mas, no fim, lá vai imperar o senso vigente na época, que, com esta tendência, vai ser muito mais reles e comum do que é o actual.


A correcção de erros anteriormente cometidos e a capacidade de inovar vão permitir aos vindouros ter estádios que, para além de revolucionárias características, vão permitir albergar muito mais gente, de todos os tipos: sexo, idade, formação, confissão religiosa e aptidões físicas.


Os estádios vão ter um sector predominante, expressamente construído para cegos. A capacidade deste sector vai ser enorme, pois que, para além dos cegos e amblíopes propriamente ditos, para lá vão os que não querem ver que, como se sabe, são os piores e os mais numerosos. Todos os espaços ocultos por colunas, paus de bandeiras, bandeiras, painéis de publicidade, etc. serão aproveitados para levar gente.


Outro sector, lá bem no topo, junto aos apoios das coberturas e em todo o redor dos estádios, vai ser destinado aos curtos-de-perna e marrecos que passam, à entrada, sob um gabarito, munidos de um certificado em que se atesta serem incapazes de saltar na vertical mais que cinco centímetros, após qualquer tipo de explosão, seja ela de revolta ou de alegria.


Junto aos lugares dos invisuais, e donde ainda não se enxerga o relvado, vão ser criados múltiplos espaços circulares de convívio, destinados às senhoras e homens que não gostam de futebol e vêm apenas acompanhar os companheiros, adeptos ferrenhos deste desporto.

 

Servem-se lá bebidas de baixas calorias, bolos dietéticos, chá verde, cerveja sem álcool e talvez ainda Coca-Cola, mas mega “light”. Ali se pode fazer renda, ponto de cruz, bordado, tagarelar, etc.

 

São proibidos a renda de bilros, a tecelagem e outros tipos de confecção que impliquem aparelhos com componentes destacáveis e arremessáveis. As senhoras e aqueles referidos senhores devem manter uma conversação serena, em tom pouco elevado, para não perturbarem os cegos que querem ver, nem a arbitragem que os tais ferrenhos dizem nunca vê nada.


Em redor dos grupos de cegos e de acompanhantes, há envolventes dispersas de surdos-mudos para proporcionarem uma espécie de barreira insonorizada que amortece e quase não deixa penetrar os palavrões vindos das outras áreas falantes do estádio.


Junto ao relvado, em toda a sua volta, existe um largo e profundo fosso, com água pantanosa, cheio de belos nenúfares e avantajados crocodilos esfomeados, de boca comprida e larga, com capacidade para, de uma só vez e sem verterem uma única lágrima, engolirem quem quer que lá se atreva a cair.

 

Entre o fosso e o relvado, existe uma rede num novo material invisível, pendurada, lá em cima, no tecto transparente, que cobre todo estádio e que não deixa passar qualquer gama de raios UV. Esta rede, que desce até ao chão, tem por fim interceptar bolas transviadas, evitar que jogadores e equipas técnicas de apoio ao jogo caíam ao tal fosso e que os projecteis vindos das bancadas possam atingir a arena relvada.


Nos quatro cantos do terreno, perto das bandeirolas, existem enormes coretos com grades, onde os adeptos das claques organizadas insultam, gritam, cospem, gesticulam, tocam bombo e gaitas.

 

Não é permitido tocar qualquer instrumento de sopro ou percussão em qualquer outro lugar do recinto, onde apenas o palavrão e a assobiadela com dois dedos continuam a ser permitidos.


Em lugares estratégicos, entre a rede do fosso e o relvado, existem as chamadas “cabinas de escape”, fortemente presas ao solo, construídas em forte vergalhão de aço, todas blindadas, com uma porta de abrir para fora, que se fecha por dentro com uma chave que o árbitro e outros fugitivos de alto risco trazem ao pescoço.

 

 Prevêem-se cerca de quarenta destas cabinas individuais, cada uma com a sua chave interior dupla de reforço e duas trancas de varão de aço de elevado calibre. Cada cabina tem um alçapão com um tubo de escorrega de duas polegadas, untado generosamente com vaselina esterilizada, que leva directamente ao subsolo.

 

Lá em baixo, junto de cada saída destas cabinas, há dois polícias, armados até aos dentes e integralmente protegidos, prontos a acompanhar os fugitivos a lugar seguro. Esta zona, chamada dos balneários, tem saídas secretas que vão dar a um vasto parque de carros de combate de alta velocidade que transportam os fugitivos a lugar seguro, a sua casa, ao hospital, à prisão ou até para fora do país.


Ainda na zona reservada à assistência, há um sector para inválidos permanentes que são transportados aos seus lugares por diligentes e simpáticos paramédicos. Não é permitido a este tipo de espectadores levar consigo quaisquer próteses, bengalas, muletas, canadianas, etc., por razões de segurança, mas toda as sua movimentação está assegurada pelos atentos profissionais de saúde presentes.


As zonas destinadas a pessoas sem qualquer incapacidade física estão situadas nos lugares nobres do estádio, centradas com a linha de meio-campo. As cadeiras são acolchoadas, termicamente reguláveis a gosto do espectador e permitem uma rotação de trezentos e sessenta graus, para possibilitar ver o jogo e discutir os lances com os vizinhos de cadeira.


Todos os labirínticos acessos interiores do estádio vão dar a um interface onde estão os carros e jipes dos espectadores, autocarros, ambulâncias, táxis e uma grandiosa estação de metro que leva a toda a parte.


Estas novidades vão obrigar a alterar algumas regras do jogo. Os desafios duram os habituais 90 minutos, mas podem acabar de morte súbita, na altura em que as todas as “cabinas de escape” tenham sido utilizadas, ou entre em campo, por imperdoável falha no projecto, um só daqueles esfaimados crocodilos.

 

 

 

*** Fizeram  (lá eles) 10 (dez) novos majestosos estádios para o Euro 2004. E ficaram  (lá eles e outros mais) todos muito contentes!

 

*** Em 2009, algumas Câmaras Municipais, por exemplo as de Aveiro e Faro, perante os insuportáveis prejuízos que os estádios (vazios e não utilizados) lhes dão, pensam em vendê-los e até em ... mandá-los arrasar. 

 

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