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FINICISA

CENAS AVULSAS

 

Animais nossos amigos

 

Hoje venho falar do Tino.

 

Há muito tempo que andava para escrever umas linhas sobre um dos mais nobres exemplares desta espécie de mamíferos que, para sossego dos amigos da Natureza e angústia minha, não está em vias de extinção.

 

A espécie mais refinada, a de pelo curto, é um tanto rara e, embora não haja ainda dados suficientes para o comprovar, pensa-se que se possa procriar em cativeiro.

 

O Tino vive acasalado e, por força da severa vigilância a que está sujeito, pratica a monogamia.

 

O Tino macho não é burro, embora represente muito bem tal papel na sua vertente mais imbecil. Manifesta claramente mais esperteza que a fêmea trombuda, que tem uma forte componente genética asinina. A fêmea ostenta desajeitadamente a sua falta de tino e a sua reduzida massa encefálica, que, além de diminuta, quase nada tem de cinzento. Faz de modo alárvico espontâneo o que o macho faz com desvergonha consciente de modo muito convencido.

 

Cada casal de Tinos, em média, tem na sua vida apenas duas crias que se amamentam de leite de cabra e/ou de vaca, tudo engordado com rações de alto valor calórico que ninguém consegue fazer pagar.

 

A fêmea anda sempre ciosamente atrás do macho e zelosamente atrás das crias, numa vigilância sufocante, para que não se perca o “pedigree”. É comovente e enternecedor o seu instinto maternal. Nos seus cuidados de higiene, lava-lhes e encera o cérebro e, com o habitual desplante, vangloria-se de que elas têm os seus cérebros mais brilhantes do que os exemplares das outras espécies e mesmo os da sua, os tinos de pêlo curto.

 

O macho dedica muito do seu tempo livre, a actividades lúdico – desportivas, aprendidas teimosamente em brochuras da especialidade, do tipo “Do it yourself”.

 

As especialidades a que se dedica estão todas relacionadas com o vento ou mesmo com a falta dele. O voo planado, a asa delta, o parapente, o “surf” e a cavalgada à bolina, tudo em traje a rigor, como mandam as mais exigentes normas, são os seus desportos favoritos.

 

O Tino, um dia, quis ser Rei, o rei dos animais.

 

Por correspondência, a da parte dele toda ela porteada, leu e releu da selva que o viu ser parido as leis que até ali a regiam.

 

Fazer-se Rei e criar uma monarquia absoluta, onde em cima dele só podia estar a sua implacável fêmea, foi o seu grande sonho. Uma monarquia com leis por ele feitas à medida, com não mais que cinco ou seis outros sub-Tinos de menor calibre mas de igual crer. Os chamados “crertinos”.

 

Esse sonho, apesar do alarido e de toda a pompa montada, não chegou a realizar-se. Não chegou a ser Rei, mas exacerbou-se-lhe a mania de reinar à custa dos outros.

 

Esta tão refinada espécie de mamíferos emita em muitas coisas alguns homens, e muitos antropólogos não hesitam em situá-los entre os primatas.

 

O macho é extremamente pudico. Assim se justifica que segure com robustos suspensórios de banda larga as calças que veste.

 

O Tino e a fêmea, aí pelos cinquenta, passam a usar óculos, estes, de banda estreita. As mais das vezes, trazem-nos acorrentados a tiracolo e descaídos prá frente, mais para serem vistos do que para serem um objecto auxiliar da sua larga visão.

 

A sua carne não é apreciada pelos humanos, embora muitos destes, mesmo os mais debiqueiros, gostassem de os morder até chegar ao osso.

 

O Tino apenas morde o Homem pela calada, como aliás o fazem os vulgares Sacanas de Lineu. Ao que se conhece, o seu comportamento para com os outros animais é pacífico e apenas, isto é um dado confirmado, ferra o cão, talvez por este ser o maior amigo do Homem. Fá-lo sem ponta de vergonha, à descarada.

 

O Tino também vai à tropa. A hierarquia militar, no exército dos Tinos, não existe. Tudo é Cabo que corresponde, na hierarquia marcial humana, ao posto de General. No exército dos Tinos não há soldados, sargentos nem furriéis. Há apenas Cabotinos, e é tudo.

 

O exército cabotino evita a guerra por cobardia e fundamentalmente por falta de quem lhe fie o armamento e as munições. Recorre, assim, à guerrilha surda e suja.

 

Passa rasteiras e retira tapetes enquanto, pulhamente, fuma o cachimbo da paz.

 

O cabotino usa armas não convencionais de fabrico próprio, particularmente destinadas ao pato, a quem dá tiros (a sua especialidade) com armas conhecidas por patogénicas, tudo, como se disse, de fabrico caseiro.

 

A elite cabotina come toneladas de cabeças de alho, mesmo as do florido alho-porro, muito bem esmagadas, para, com o seu hálito, entorpecer e inibir as vítimas dos seus disparos certeiros. Atordoados, com caras aparvalhadas, os patos grasnam surdinas indecorosas, quando o Tino de pêlo curto, provocante, os sobrevoa em voo planado, os acorda com os cascos da montada ou os constipa com o vento da vela do “surf”, tudo apetrechado com coisas que não paga nem tenciona pagar.

 

Os zoólogos, como eu, que dedicaram parte da sua vida a estudar o comportamento do Tino de pelo curto, aguardam sempre, com científica ansiedade, novas manifestações desse seu comportamento poli facetado.

 

Um dia virá em que publicações como o Guiness e o National Geographic anunciem ir publicar mensalmente uma grossa separata apenas dedicada a esta curiosa espécie, a que muitos cientistas desatinados ainda não dedicaram a devida atenção.  

 

 Fevereiro de 1992

 


*** Quem não conheceu o exemplar Tino, que esteve uns anos na Finicisa, 

não sabe bem o que ganhou.
 

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