top of page

Gestores públicos, contas privadas

 

Durão Barroso veio, certo dia, informar-nos escandalizado, era ele ainda oposição, (reinava Guterres cá, em Portugal, e Clinton lá, nos Estados-Unidos), que alguns gestores públicos portugueses, repito, públicos e portugueses, ganhavam balúrdios, valores impressionantes em relação ao que ganha a maioria esmagadora dos nossos compatriotas.

Soube-se também, acho que não foi por ele, que ganham muito mais que os seus homólogos, também públicos, dos outros países nossos parceiros europeus. Vieram, na altura, pressurosas, insuspeitas e despeitadas comadres levantar ainda mais a diáfana, (por estar muito coçada e rota), manta da podridão, lançando mão dos mais desavergonhados argumentos em defesa de tão confortável situação.


Que tudo começou no tempo dos seus (Durão) apaniguados e que estes, sim senhor, caso único, dessa vez até tomaram uma medida acertada e justa; que no sector privado é possível dar a volta aos impostos, não se declarando tudo, ou até declarando mal, enquanto nas empresas públicas tal é impossível e, portanto, há que compensar esta gente que não pode, como é notório, ser honradamente desonesta e praticar qualquer irregularidade; por que é que um público havia de receber quase um quinto do que recebe um privado, etc, etc. Argumentos de peso, como podemos, conformados, apreciar.


Quando Durão Barroso disse, na altura, que o Presidente Clinton, o tal dos Estados-Unidos, ganhava menos que o também Presidente, não de Portugal, mas o duma das maiores empresas públicas portuguesas, esqueceu-se apenas de dizer que o Presidente Clinton ganhava aí umas 10 vezes o que ganha um americano médio, enquanto o Presidente da tal empresa abichava cerca de 100 vezes o que ganha a média dos portugueses. Argumento sem peso, pois pouca da nossa gente se espanta, por não conseguir sequer avaliar os valores que estão em jogo.


Agora, admitia eu que, perante a sua indignação da altura e a sua posição actual, e quando, para muitos, o último furo do cinto se aproxima perigosamente da fivela, já tudo devia estar a ser corrigido. Enganei-me. Afinal, pelo que leio e me dizem, a coisa deve ter emperrado e continua a haver famosos gestores públicos “fora-de-lei”, a que os americanos chamam “outlaws” e os leva de imediato a telefonar ao “sheriff” da área, que logo aparece aos tiros com as algemas já bem abertas numa das mãos.


Não me incomodam as indecorosas alcavalas das despesas de representação, que a lei prevê irem de 20 a 35 (!) por cento do salário base 14 (!) vezes por ano; não me perturba o dourado cartão de crédito para pagamento das mesmas despesas de representação; não me aflige o prémio anual de milhares de euros que recebem por alcançarem não se sabe quais objectivos. Nem me desinquieta que lhes vendam, periodicamente, pelo preço da chuva miúda, o carro preto de rabo comprido que têm ao seu dispor e nos custou torrentes de dinheiro.


Impressiona-me, isso sim e muito, o rigor e a frieza cruel no cálculo do salário base dos seus vencimentos. Por exemplo, o Presidente da Caixa Geral de Depósitos auferiu em 2001, por mês: 24.939,89 euros. Será que a vós, cidadãos conscientes e agradecidos, não perturba que, por um mísero cêntimo, não lhe tivessem pago 24.939,90?


É esse ridículo pataco que me está atravessado e faz clamar por justiça. Se as decisões se arrastarem e a justiça tardar, proponho-me a pagar, do meu bolso, os catorze cêntimos que nesse ano de 2001, bem como certamente os que nos seguintes, lhe foram, mesquinhamente, sonegados.


Deixo à vossa consciência, por já começar a ser um pouco pesado para mim, o pagamento dos retroactivos referentes aos anos anteriores.
 

 




***A festa dos gestores públicos e outros que tais.

 

bottom of page