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Hoje, aqui me penitencio

 

Ainda muitos como eu se devem lembrar dos apavorantes cartazes do PRP/BR – Partido Revolucionário do Proletariado/Brigadas Revolucionárias – que apareceram colados por muitas paredes, já depois de conquistada a Liberdade no dia 25 de Abril de 1974. Eram impressionantemente ameaçadores e apelavam, claramente, à luta armada sem eu entender, nessa altura, contra quem pudesse ser.

 

Isabel do Carmo, mulher corajosa na luta contra o regime deposto, tornou-se, ao lado de seu marido, Carlos Antunes, o rosto mais visível desse partido. Esteve presa desde 1978 a 1982, acusada de “autoria de acções armadas”, praticadas, penso eu, já depois dessa inesquecível data que nos deu a Liberdade!

 

Atacada de bulimia extrema, insaciável, apesar de ter o seu prato a transbordar de Liberdade, sôfrega, parecia querer mais que o seu quinhão, não conseguindo tirar os olhos dos pratos dos que com ela queriam, a princípio, estar sentados à mesa.

 

O proletariado que lhe enchia a boca continuava a ser o seu petisco favorito, e quem não pertencesse à prole era, para si, uma espécie de espinha que, depois de bem chupada, havia que pôr no bordo do prato.

 

Toda aquela gente que aparecia armada até aos dentes nos tais cartazes, que até hoje tanto me marcaram, afinal não era para matar quem quer que fosse, pois que, segundo as suas palavras, numa entrevista que deu ao jornal Público em Novembro de 2003, fora definida desde o início a regra de não matar ninguém, por considerarem nunca poder dispor da vida humana.

 

As Brigadas Revolucionárias, que apareceram antes do PRP, levavam a cabo muitas acções armadas sem nunca ter morrido ninguém, a não ser dois dos seus militantes, quando montavam uma bomba. Não disse Isabel do Carmo o tipo de bomba de que se tratava, mas deduzo que era uma vulgar bomba centrífuga para tirar água num poço qualquer para fins evidentemente mais que pacíficos.

 

Aqui estou eu, hoje, apesar duma gripe terrível que mal me deixa pensar, a soerguer-me da cama, para me penitenciar do apressado juízo que dela fiz ao ver, há menos de trinta anos, aqueles seus cartazes que tanto me amedrontaram e a juntar-me em espírito à homenagem que o Senhor Presidente da República lhe quis prestar, agraciando-a com a Ordem da Liberdade.  

 

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