top of page

Hérois da Terra

 

Os nossos raros feitos desportivos além-fronteiras levam muita gente a tomar as mais obtusas atitudes que me deixam, cada vez menos, espantado.

Um valoroso atleta português ganha (num país pequeno como o nosso o seu mérito é enorme) uma competição nos Jogos Olímpicos. Há festa rija, foguetes (daqui em diante passará a haver só fogo-preso), faz-se de novo ou muda-se o nome a um pavilhão, nunca mais tal coisa se irá esquecer.

Suponhamos que vem aí, um dia (e por que não?), uma fornada de dotados atletas que, esmagando os Estados Unidos, a Alemanha, a Rússia e outros dos habituais papa-medalhas, trazem para cá montes e vales de vitórias e recordes mundiais. Digam-me, por favor, onde vamos meter tanto pavilhão, já que arranjar dinheiro para os fazer (sempre dos maiores e melhores que há no mundo) nunca há-de ser problema nosso?

No caso particular da integração dos nossos artistas da bola, técnicos, jogadores e não sei quem mais, em equipas de outros países, onde o ouro soa mais refinadamente e cai em mais fartas catadupas, o facto chega a ser narrado e celebrado de forma tão caricata que já deixei de me sobressaltar, pasmar e até de corar de vergonha.

Agora, aparentemente, não me perturbo, não pasmo, mas, sem corar, por ficar sem pinta de sangue, enfio-me encolhido pelo chão abaixo, para desaparecer e não encandear ninguém com a minha assustadora lividez.

Fala-se dos clubes onde se integram as nossas estrelas de forma subalterna como se eles, clubes, vivessem da nossa participação e tivessem mudado de dono. Quando mete português, o Real Madrid é de Fulano, o Inter de Milão é de Sicrano, a Lazio de Roma é de Beltrano e, assim, por aí fora, tudo passa a ter dono lusitano. Mesmo que esse nosso compatriota não tenha metido o golo, porque estava a apertar a bota ou a arranjar a camisola, os louros vão, se não na totalidade, pelo menos em grande parte, ser-lhe atribuídos.

Certa vez, muitos disso se recordarão, em detalhe, melhor que eu, de uma prova qualquer internacional onde a nossas equipas foram afastadas e nada mais havia para enaltecer. Os comentadores passaram a seguir e a descrever, não as jogadas nem os lances mais emotivos da competição que prosseguia, mas a actuação do árbitro, que era português e por lá ainda se mantinha a apitar mais uns jogos.

Aqui há bem pouco, foi-se ao exagero: "Jaime Pacheco ganhou ao Real Madrid" e, passados dias, "Carlos Queiroz venceu o Maiorca". Estou mais que certo, e com antecipado pundonor o assevero, que nunca o Maiorca há-de vencer Queiroz, nem Pacheco virá a perder com o Real.

Se, um dia, o Madrid ainda for de um português e o Maiorca for também de outro português e vierem a empatar, vão ver que os espanhóis, que também têm aos magotes doentes como nós cá temos, para sacudirem a água do capote e vingarem Aljubarrota, vão dizer, aos berros "fuera! fuera!", clamando que os portugueses não passam duns empatas.

E aqui, santa paciência, até eu, mais que conformado, com o patriotismo metido na gaveta, lhes vou dar razão, enquanto, esquecido do agravo, regalado, vou comendo melões da Andaluzia e pêssegos da Granja de Santo Isidro.

 

 

 

*** Aonde chega o nosso patriotismo bacoco!

 

bottom of page