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Jogos com fronteiras

 

Vai já muito tempo que não ouço falar de jogos entre solteiros e casados, talvez por serem agora menos usuais ou por desatenção minha. Certamente que ainda haverá locais onde tais disputas se continuam a realizar, como quando eu era muito jovem e a algumas cheguei a assistir. Eram competições saudáveis, pelo menos para o espírito, e a assistência, sempre bem disposta, lançava graçolas de todos as formas e feitios, especialmente com os falhanços dos pernetas e/ou dos barrigudos.


Mesmo que os árbitros cometessem os mais grosseiros e dourados erros, ninguém se exaltava a ponto de os insultar com qualquer daqueles mimos normalmente usados nas arenas do futebol e em todos os outros eventos “desportivos” que metem uma bola.


Os casados, gente com a vida sentimental arrumada, eram quase todos quarentões que ostentavam pneus abdominais algo pressurizados e musculatura já um tanto flácida. Nalguns, que foram praticantes da modalidade, ainda era visível uma certa boa forma física e alguma técnica residual, em contraponto com os muitos desajeitados que nunca acertaram em cheio numa bola em toda a sua vida.


Nesse remoto tempo, quem não desse o nó no sítio considerado próprio, que era na igreja, e não tivesse cá fora apanhado com mãos cheias de trinca de arroz, era olhado por quase todos muito de soslaio. A parte mais tolerante parecia fechar os olhos, mas, em voz baixa e com mal simulada velhaquice, arrasava o fulano, dizendo que ele estava “casado pelo civil”. Por seu turno, a parte mais fundamentalista, borrifando-se para a papelada do Registo Civil, com a ronha toda bem à vista, dizia, para o afundar, que o tipo “vivia amigado”.


Agora, com aquilo a que muitos julgam ser viver em liberdade, a coisa complicou-se, e bem. Quando tudo parecia indicar que ia ser mais fácil organizar um ingénuo encontro entre solteiros e casados, como nos velhos tempos ditatoriais em que a liberdade era zelosamente controlada, vejam bem, no que tudo deu e naquilo em que eu, quase juro, irá acabar e abaixo passo a descrever.


Far-se-á, como outrora, uma selecção de indivíduos, mas agora entra obrigatoriamente uma quota mínima de mulheres. Elabora-se, a seguir, um meticuloso questionário com aqueles quadradinhos em que se põem cruzes, onde se esmiúça, até ao átomo muito bem desintegrado, o percurso amoroso de cada um.


O inquérito começa, como bem se compreende, por perguntar se é casado ou se é solteiro. A seguir, começa um longo rol de perguntas onde se questiona tudo de mais sórdido que possa indiciar os desvios, as suspeitas, as insinuações, os boatos mais torpes, tudo, enfim, que cheire a marosca sexual enviesada é analisado e ponderado por credenciados analistas independentes.


Os que passam incólumes neste rigoroso teste, são finalmente convocados para a prova final de aptidão, onde aparece, finalmente, uma bola, tendo cada um que marcar, ao fim de determinado número de tentativas, pelo menos dois golos da marca das grandes penalidades.


Não sei se alguma vez mais vai haver gente suficiente para formar duas equipas completas!

 


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Eleições para deputados:  

a devassa da vida íntima de cada um e a quota das mulheres na política.

 

 

 

 

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