top of page

Juro que vai ser verdade

 

Um dia, como me fez o meu avô paterno, e se eu, entretanto, resistir a tudo isto, vou dizer aos meus netos que ainda sou do tempo em que os políticos opiavam o povo servindo-se insidiosamente, (eu ia a dizer descaradamente, mas não digo) do futebol.

Mas também lhes vou dizer, e isso não pôde o meu saudoso avô fazer, que também sou do tempo em que as gentes do futebol criaram nos seus magnificentes estádios confortáveis salas de chuto VIP, para uso exclusivo dos políticos mais empedrados a quem o vício e as más companhias fizeram perder os escrúpulos e a compostura para, daí, de cabeça pesado/leve, assistirem aos jogos.

 

Vou, com manifesta pudicícia, contar-lhes as orgias a que assisti, em que a política era tratada ao pontapé enquanto o povo, altamente politizado e fossilizado, apanhava delirante e contagiado pela bacanal, as bolas que raramente acertavam nas balizas e se iam normalmente perder nas bancadas todas elas cobertas e climatizadas.

 

Vou ainda dizer-lhes que esse mesmo povo se sentava em fofas e ergonómicas cadeiras isotérmicas e usava macios cachecóis partidários de Cachemira, anti-traça e anti-borboto, e eram fornecidos gratuitamente à entrada do estádio, logo à saída dos múltiplos e amplos acessos, por solícitos e desinteressados representantes dos partidos patrocinadores dos clubes que disputavam o jogo do dia.

 

Não vou esquecer-me de lhes contar que os jogadores traziam, por baixo da camisola do clube patrocinado, uma outra branca de fibra oca, para evitar resfriados e enviar mensagens. O jogador que metesse um golo, levantava eufórico a camisola do clube e com ela tapava integralmente a cabeça, saltando a publicidade e correndo com trejeitos de samba para os adeptos políticos patrocinadores até se agarrar simiescamente às grades.

 

E lá aparecia, virada para as inúmeras e atentas câmaras TV que faziam a cobertura do evento, a alva camisola interior do autor do feito onde se lia, estampado, em letra alta e gorda: “Sabem porquê? Foi a força do PPPP” (Partido Popular Português do Pontapé).

 

Acham que os meus netos vão acreditar?

 

 

 

*** O futebol e a política

 

bottom of page