Lembrem-se de mim
Sou do Porto, mas para já, vivo em Portalegre.
Vou todos os anos a Castelo Branco com a minha mulher que lá faz as mamografias.
Passo oito dias a banhos perto de Faro onde não falto, pelo menos uma noite, a uma sardinhada numa qualquer esplanada com sardinhas prateadas e gordas a preços convidativos.
No caminho, paro sempre, para lá em Beja e para cá em Évora, para esticar as pernas e bater com os pés no chão.
Estudei um ano em Coimbra e vou, às vezes, a Lisboa ver o meu filho que lá mora, encurralado num prédio de vinte e dois andares, perdido no décimo segundo esquerdo.
Tenho uma filha, que está casada na Guarda, onde passo por ano uns dias e aproveito para dar umas saltadas a Viseu.
Fui, há muitos anos, numa excursão a Bragança e a Vila Real.
No regresso, passei por Braga para ver a Sé e o Bom Jesus.
Almocei em Viana do Castelo em casa duma prima da minha mulher que já não víamos há muito tempo.
Parámos em Aveiro para comer umas sandes e comprar barricas de ovos-moles numa loja que ainda estava aberta àquela hora da noite.
Não me escapa uma feira de gastronomia em Santarém e, daí, corro imperiosamente, pelo menos uma tarde, a Leiria para jantar sempre na mesma tasca, onde se come muito e barato e onde só aceitam escudos.
A Setúbal, com muita pena, nunca fui, mas dizem-me que é muito bonito. Não descanso enquanto lá não for comer salmonetes e bifes de espadarte.
Vêm aí mais umas eleições, as da Páscoa.
Sou, por agora, independente mas, se for preciso, estou pronto a aderir a qualquer partido que apregoe o progresso, a paz, a liberdade, o rigor e a transparência. Qualquer partido me serve, logo que diga seguir aqueles princípios e lutar pelo bem de todos nós, incluindo o povo. Prometo que, pelo menos uma vez por semana, sem nunca faltar às quintas, irei ao local de trabalho.
Tenho muito tempo livre, falo desenvoltamente o português e dou poucos erros. Sei, entre outros, conjugar os verbos haver e previr. Amo profundamente o meu país e sou um desinteressado homem de ideias.
Conheço bem, como apreciaram, todos os recantos desta minha terra, só me escapando Setúbal, não por muito tempo e antes das eleições.
Sei de cor, pelo que ouço e tenho lido, todos os graves problemas que afligem todas essas terras e que, mais uma vez, urge resolver.
Estou pronto para os maiores sacrifícios e para lutar por qualquer causa, seja ela justa ou mesmo colateralmente injusta, se ela contribuir para o bem comum das gentes de qualquer desses lugares, acabando com as afrontosas assimetrias. Faço-o sem pedir nada para mim, disposto a enfrentar os mais árduos obstáculos, mesmo antecipando que uma inevitável chuva surda e miudinha de incompreensões, invejas e ódios me vai encharcar até ao miolo dos ossos.
Lembrem-se de mim, tá bem?
***Mais umas eleições para a AR. Ninguém se lembrou de mim!
*** Um dia, num jantar com amigos da empresa onde trabalhei, um deles perguntou-me:
_ É verdade que o senhor nunca foi a Setúbal?