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O luto continua

 

Aos Domingos, Judite de Sousa e Marcelo Rebelo, que também é de Sousa, muito expeditos, ele muito mais que ela, falam na TVI que, como se sabe, é uma televisão privada.

 

No último programa, como se fossem lúgubres cangalheiros de gente fina, ambos apareceram vestidos de luto integral, extremamente cerrado e a cheirar a incenso  de sacristia iluminada com uma única vela quase no coto. Judite não trouxe aqueles seus lindos óculos de armação amarela que, para bem ler a cábula, por vezes pousa no seu bem formatado nariz; Marcelo, com o seu implacável relógio de pulso pousado à sua esquerda, muito seco, enrugado e tisnado pelo seu Sol de Cascais, sempre sem óculos nem quaisquer adereços, desta vez, só trouxe os livros de capa bem escura que durante a semana, praticamente sem pôr o olho, avidamente devorou.

 

Os sapatos de um e outro eram pretíssimos, de fino cabedal altamente envernizado, que fortemente nos encandeavam. Os de Judite tinham tacão esguio e altíssimo que ela, como sempre, de perna delicadamente traçada um pouco acima do joelho pousava um, o do pé não flutuante, numa das cinco pernas da sua estável cadeira; os de Marcelo eram bem rasos com sóbria fivela prateada que ele, de pernas abertas e também como sempre, pousava integralmente no chão.

 

Às Segundas, também na mesma TVI, lá nos volta essa mesma Judite, olho no olho com o incurável pessimista de mau agoiro que é Medina Carreira que consigo sempre trás um convidado, regra geral, um outro pessimista aziago qualquer, tanto ou mais amargurado que ele próprio.   

 

Nesta última segunda- feira, veio Mota Pinto, com aquela sua meia voz muito sussurrada, despejar-nos a seco palavras e mais palavras, todas muito bem engatadas a formar longuíssimas frases, com milhentos enfim e mais enfim pelo meio, que ninguém consegue extirpar do texto para algo conseguir entender.

Vá lá que, desta vez, julgo ter percebido que ele comparou o heróico Nelson Mandela a Eusébio, um respeitável jogador de futebol que, como Mandela, há uns poucos dias este mundo deixou. Judite, já de luto bastante aliviado, ainda vinha profissionalmente algo pesarosa e, no seu papel de pitonisa de meia bola de cristal, lá começou a tirar nabos dos púcaros.

O aziago do Medina, à paisana, qual luto qual meio luto, como de costume trazia os seus tenebrosos gráficos e montes e montes de folhas A4 que nunca se cansa de bater na mesa para as alinhar, desalinhar e voltar a alinhar, enquanto descansa a fala e rumina as tenebrosas amarguras que há muito o atormentam, nos tiram o sono e mantém acordados num infindável pesadelo que, se calhar, vai acabar mal.

 

Também aos Domingos, na nossa RTP, que todos pagamos muito disfarçada na conta da luz, vem-nos falar o bem conhecido e reconhecido engenheiro Sócrates. Neste sua última aparecida, por motivos óbvios anormalmente ocorrida na Segunda-feira, dia 6 de Janeiro de 2014, o agora filósofo e sempre engenheiro Sócrates veio dizer, nesta sua horinha televisiva, que, em 1966 e na Covilhã, num dia em que, miúdo e com a sua densa mochila às costas, saía de casa para ir para a escola, meu Deus, Portugal estava a perder com a Coreia por três a zero! Quando, muito enfiado e triste, chegou à escola, soube que Eusébio metera 4 golos e que Portugal tinha ganho por cinco a três!

 

O pequeno Sócrates, então por todos tratado por Zezito, já a mostrar o seu latente e pulsante patriotismo, logo ali, se fez benfiquista e passou a adorar o venerando Eusébio que agora acaba de nos deixar. Importa saber que o tal jogo se realizou em Liverpool, na Inglaterra, (que tinha e ainda tem o mesmo fuso horário que o nosso), em Julho, num Sábado e às 15 horas, de lá e também de cá.

 

Como se vê, naquele tempo, os horários das escolas eram um verdadeiro martírio para as pobres crianças indefesas, inclusive com aulas ao Sábado a estenderem-se pela tarde dentro, mesmo nos meses quentes de Julho, quando praticamente todo o país, já nessa altura, começava a parar para se ir espalmar nas nossas lindas praias ou, lá muito longe e com tudo incluído, algures nos mares das Caraíbas. Não se faz!

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