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No coreto do jardim

 

Uma vez perguntei a um portalegrense envolvido em coisas da cultura local por que não se dava alguma utilização apropriada ao bonito coreto implantado no chamado Jardim do Tarro. Na altura, afligia-me vê-lo quase ruir, mas, hoje, continua a afligir-me, observar que ele não serve senão para decoração e brincadeiras de crianças, e de outros mais ou menos espigadotes que o vandalizam.

 

Essa pessoa, quando me ouviu falar em utilização do coreto, deve logo ter pensado que eu queria lá meter toda uma banda de música com interpretas anafados e, de imediato, numa estocada, me respondeu que o espaço era demasiado exíguo para albergar tanta gente e tanto instrumento. Esta resposta seca tirou-me qualquer ânimo de contra-argumentar. Fiquei-me na minha, mas, como compreendem, tendo partido de quem partiu a justificação, mais desolado ainda fiquei.

 

Lamentavelmente, selvaticamente, e outras palavras terminadas em mente, puseram-lhe há pouco uma tosca escadaria adicional, com degraus de madeira e resguardos tubulares de aço, eliminando, para tal, uma grade de protecção. Borrou-se ainda mais a pintura e, por tabela, mais diminui o tal minguado espaço útil. Já está. Uma brilhante ideia de um qualquer indigente cultural que resolveu, no seu quotidiano lampejo, o problema da grade que um ou mais bárbaros há muito haviam destruído. Mas, continuemos, usando um pouco de lógica elementar.

 

Se temos uma banda e um conservatório, temos quem saiba tocar. Se temos um orfeão, temos quem saiba cantar. Se temos, em suma, gente, alguém há-de saber tocar um qualquer instrumento e gostar de mostrar as suas habilidades.

 

Mas, aqui é que está certamente o busílis: se não temos vontade nada se pode fazer, porque a vontade, essa sim, necessita de muito espaço, amplo e livre, para que pessoas que sabem pensar consigam, de facto, realizar alguma coisa, de acordo com o espaço que têm à sua disposição.

 

E volto a perguntar: não seria de meditar em modos de tornar vivo aquele local, mantendo alguns artistas activos, revelando outros desconhecidos, influenciando e atraindo nova gente e, ao mesmo tempo, entretendo, de forma agradável e proveitosa, não apenas os que cá vivem todo o ano, mas também os que nos visitam naquelas tardes soalheiras dos domingos, em que os dias são longos e amenos, convidando a dar uma volta e a espraiar um pouco pela tarde?

 

Em muitas cidades europeias, onde a cultura é uma coisa banal e comezinha que desce todos os dias às ruas, às praças e aos jardins, é comum ver músicos, alguns deles excelentes executantes, tocarem sós ou em pequenos grupos, em troca de espaçadas moedas que lá vão caindo nas caixas do violino, do violoncelo, do clarinete, do fagote, do trompete ou até no chapéu voltado para cima que está pousado no chão.

 

Não é obrigatório encher um coreto para se produzir música, não é preciso muita gente para fazer uma pantomima, é apenas precisa gente que motive e acarinhe muitos artistas ignorados, não necessariamente executantes virtuosos, mas gente normal, (eu não disse pimba), que tem algo que gostaria de mostrar e que tantos outros apreciariam ver e ouvir com prazer.

 

Muitos, até aí ignorados, se começariam a interessar por estas coisas e muito mais gente sairia à rua e ao jardim, onde pela certa ia encontrar amigos, como eles esticando ao mesmo tempo um pouco as pernas e parando por um bocadinho de comer, alapada no sofá, mais uns tantos pacotes de televisão.   

 

 

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