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Não parece, mas isto é uma prece

 

Vi, há pouco, indefeso e apavorado, o novo ataque cruel que se está a fazer às faldas da Serra de S. Mamede, quase dentro do coração de Portalegre.

 

De repente, comecei a ver alargar-se e estender-se uma espécie de caminho, aberto num local quase paradisíaco que devia ser considerado coisa intocável, para não dizer sagrada. Quando aparecem robustas e céleres máquinas escavadoras em lugares como este, tal facto é, quase sempre, um sinal de muito mau agoiro.  

 

Tinha eu razão dos meus receios e temores.

 

Já vejo terem sido derrubadas algumas das tão odiadas árvores para construírem uma rua, o que, só por si, não seria uma coisa assim tão grave, mas o pior é que já soa nos ares que vão aparecer a bordejá-la filas de casas que eu adivinho vão ser coloridas e muito vistosas. Vão pela certa ter excelentes vistas que as farão tanto mais valiosas quanto mais amplas estas forem, de todas elas se podendo alcançar, pelo menos, as duas torres da Sé, a troco duns chorudos euros e eventualmente também o Castelo a troco de alguns a mais.  

 

Casas, pelo que se tem visto e continua a ver em outras frentes de ataque, significa monstros vorazes que vão sofregamente comer mais uma outra parte bela da cidade, onde espraiávamos a vista e recebíamos o ar fresco que vinha ao nosso encontro, mais purificado depois de abanar as árvores, acariciar os arbustos e beijar os poucos campos cultivados. Esta espécie de monstros vai, como estão por aí alguns exemplos, ser de exagerado mau gosto, igual ao de quaisquer outras sítios e terriolas onde também se gosta de brincar ás cidades.

 

Tomem fôlego e venham daí, comigo, os mais fortes e corajosos. Fiquem os mais fracos, os distraídos e os insensíveis.

Subamos, a pé, a rua (a que eufemisticamente chamam avenida) de S.to António, até chegarmos à igrejinha que tem o mesmo nome. Não sei por que milagre, mas certamente por uma bênção do seu padroeiro, ela ainda lá está, embora quase de todo escondida. Estivesse eu no seu lugar e estaria tanto ou mais envergonhado, tentando timidamente esconder-me num outro sítio qualquer mais recatado, onde ninguém me pudesse ver junto daqueles bárbaros invasores.

 

  Nessa subida, passada a casa mortuária do hospital, começamos por ver que vai aparecendo à nossa esquerda, aquela espécie de comboio de mamarrachos coloridos, tombados, retorcidos e até descarrilados, que escondem, heregemente, aquela bucólica igreja para onde nos dirigimos para junto a ela descansarmos um pouco e daí ainda olhar a tempo, lá longe e à volta, a nossa velha cidade.

 

Ainda mal refeitos, desçamos agora aquela mesma rua, olhando sempre à nossa esquerda. Ainda lá está, a exibir abandono e a aguçar cobiças para colocar novas carruagens, uma casa que ainda é bonita, mas deve estar condenada a ser demolida para que novas carruagens ali se estacionem, para preencherem o espaço que ainda vai sobrar até encontrarem as primeiras, simplesmente horrorosas, que foram construídas, no primeiro ataque, feito aqui há uns anos atrás, lá ao fundo no início dessa mesma famosa “avenida”.

 

Aos portalegrenses, sejam eles ateus, agnósticos ou religiosos convictos de qualquer confissão ou fé, eu faço um apelo: peçam como souberem, mas com sentido fervor, a quem quer que seja da vossa confiança que interfira e tudo faça para que não continue a perpetrar-se e propagar-se este tipo de crimes, mesmo em frente aos nossos olhos incrédulos, donde, nos mais sensíveis, já afloram lágrimas que um dia hão-de irreprimivelmente brotar quando nos lembramos que deixamos, para sempre, de ver e admirar o nosso maior tesouro que é a Serra de S. Mamede, que passou a ficar lá longe, do lado de lá, escondida de todos nós.    

 

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