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No signo do carneiro

 

Suponhamos que o Iraque de Saddam Hussein tinha sido, como infelizmente foi, atacado pelos Estados Unidos e que, apenas com a coragem e valentia dos seus soldados e do seu povo, gente de um único querer e de um só pensar, (de acordo com os últimos resultados eleitorais), tinha obtido uma inesperada e retumbante vitória sobre o agressor.

Para salvar a pele, os poucos americanos que restaram, deixando armas e bagagens, apressadamente, em peúgas sem mais espaço para caberem buracos, fugiram para a sua terra, onde nada mais restava senão a desolação e o amargo da derrota.

Humilhados e receosos das alturas, enfiaram-se todos em cavernas e tugúrios rasteiros a meterem água pelos telhados e vento pelas frinchas. Para comer, acabadas as vacas gordas e as magras, só havia cachorros frios, "cold dogs", confeccionados com a carne dos muitos cães de estimação que, felizmente, tinham amealhado em suas casas.

A era Mac Donald’s acabou! O mundo anti-americano exulta e respira de alegria e alívio, liberto daqueles cachorros quentes, "hot dogs", que tão mal faziam à saúde, levando os níveis de colesterol para valores fora da escala e provocando todas as doenças de catálogo que a obesidade consigo arrasta.

O Iraque de Saddam, agora a maior potência livre do mundo, aproveita o balanço e resolve, sempre com as suas armas convencionais, fisgas, catapultas e arcabuzes, acabar de vez com a ameaçadora civilização ocidental, de que a Europa era um expoente e Portugal uma componente.

Os Estados Unidos e os seus aliados ocidentais acabam por ser arrasados, e essa coisa da democracia foi uma moda estúpida que finalmente passou; ou melhor, passou só a haver democracia onde, e quando, o voto secreto de cem por cento da população assim o determinar. A componente Portugal acabou por ir na leva e, finalmente, bateu no fundo, para júbilo duma minoria intelectual interna, de camisa aberta até ao quarto botão, que, expedita, toma conta do poder por unanimidade e aclamação.

Toda a gente, agora, é livre de pensar da mesma maneira.

Portugal, onde esta moda uniforme de pensar já, antes por alguns destros anciãos havia sido adoptada, ressurge agora, com as consciências voltadas do avesso, pela mão destes sinistros novos desengravatados.

Com tudo a pensar da mesma maneira, o novo povo sonha acordado, a esfregar as mãos, que ninguém mais trabalha, que encerram os tribunais, que acaba a polícia e se abrem as prisões. Acabam-se, sem ter que dar graças a ninguém, as quezílias paroquiais e as rivalidades do futebol. Só há "istas", "etas", "eiros", "anos" ou "enses", todos eles numerados, é certo, mas de uma só cor, com cachecóis e estandartes iguais, até no tamanho e tipo de tecido. Acabam de vez as tertúlias e todos os antros onde as pessoas pensavam e exprimiam ideias diferentes. Ninguém dá opiniões, pois, todas elas passaram a ser coincidentes, não fazendo sentido perder tempo com conversas estéreis.

No novo parlamento, acabam-se as discussões e as votações e canta-se em coro e a uma só voz; ninguém desafina. Os deputados que sabem ler, sempre de pé e nos seus lugares, em vez do jornal, têm à sua frente uma pauta onde, para além da música, está a letra muito bem escarrapachada. Os que não sabem trauteiam de ouvido a música e marcam o ritmo, batendo, certinho, com um pé no chão.

Volta o livro único, todos rezam pela mesma cartilha; em pratos iguais, da mais fina porcelana oriental, servem-se as melhores iguarias; anda tudo de igual. As casas, todas elas apalaçadas, além de água e electricidade, têm agora, grátis, gás natural e petróleo encanado. Nos antigos fontanários, os automóveis, estilo neo-árabe, abastecem-se com gasolina, sem pagarem uma tosta.

Há inconvenientes? Certamente que há. Todo o progresso arrasta consigo novos problemas. O vinho, a cerveja, qualquer bebida alcoólica, incluindo a popular vodka, não mais serão bebidos. Acabam-se as tradicionais matanças do porco e as feiras dos enchidos. Quem não pensava, para que possa pensar da mesma maneira, como é mais que óbvio, passa também a ter que pensar. Vai ser difícil, mas, como é para pensar igualzinho aos outros, todos vão ser capazes de se adaptar, uns mais depressa, outros mais devagar, tal como vem acontecendo, sem solavancos, com o euro.

Eu não sei se os carneiros também pensam, mas, se pensam, devem pensar mais ou menos assim. N‘é?

 

 

 

 

*** A Guerra do Iraque e os pacifistas de conveniência

 

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