top of page

O meu espanto

 

Nada fiquei surpreendido quando Fidel Castro, mais uma vez, desta aproveitando o mundo entretido a assistir de palanque à guerra do Iraque, resolveu fazer uma limpeza “a su manera” entre os habitantes da sua terra.

Fartos da convivência, e não seguindo submissa e “fidelmente” as suas ideias, meteram-se mais alguns em acanhados barcos para fugirem da sua cantada e encantada ilha em direcção, vejam lá, às inóspitas paragens do figadal inimigo que vive nos terrenos vizinhos, logo ali acima.


Heróis chama ele, com voz trémula e sumida, aos que vão ficando, traidores, apelida ele, com o dedo já deformado pelas artroses apontado, os que vão conseguindo partir, enquanto que, mudando de registo à voz, agora arrastada e firme, entre o agastado e o compungido, os vai amaldiçoando.


Há muito que nada do que ele faz me espanta, porque, passado o período experimental admissível, sempre assim tem feito e a isso, também há muito tempo, me habituou.


Cuba, que ele libertou duma ditadura, já lá vão mais de quarenta anos, continuou, com ele, a ser outra ditadura, não sei avaliar se pior ou melhor, se mais severa ou amena, do que aquela que ele derrubou. De sinal contrário é ela declaradamente, mas que interessa o sinal se os resultados são os que estão aí, à vista de quem quer e não pode deixar de ver?


Espantado fiquei, isso sim, com algumas vozes mumificadas que só agora se levantaram, ao fim destes anos todos de tantas tropelias suas, como se de nada suspeitassem do que ali, naquela bonita ilha, se está a passar. Vozes de gente forçosamente bem informada que tanto o admirava, velhos baladeiros, escritores, artistas, intelectuais, políticos da sua área, também reprovaram a sua última depuração!


Porquê, desta vez, este repúdio se tudo se processou de modo igual ou semelhante ao que antes era conhecido ser seu uso e costume? Porquê, só agora, tomaram conhecimento de que ele cometeu crimes inqualificáveis contra o seu pobre povo a que ele, com inteira razão mas por sua acrescentada culpa, chama heróico e martirizado? Não posso, por muito que me esforce, acreditar no que os meus olhos acabam de ver.


Deixem-me, todavia, continuar a pensar que Fidel, quando jovem, puro como muitos outros revolucionários, foi um obstinado lutador, honesto e bem intencionado que, em dada altura, como qualquer mortal, embora muito precocemente, foi perdendo a lucidez, até completamente ter perdido a razão.


Castro, há muito, ficou e está doente. Atacou-o um mal incurável, altamente contagioso, que perturba os espíritos e faz perder os sentidos, a mal conhecida e terrível doença do poder. Não vê, não ouve, não tem cheiro, tudo é insípido, nada lhe acusa o tacto. Nem quero pensar que ele a todos engana e, maldosamente, a vender saúde, anda a fazer de conta.


Não devem é os seus, agora, tão espantados e agastados admiradores abandoná-lo numa altura em que, cada vez mais, ele, velho e doente, precisa de amparo e carinho.


Não vá suceder que os que estão presos àquele chão e dali não podem fugir, um dia, lhe tomem o pulso e acabem por derrubá-lo, arrastando-o pelas ruas, como se fosse a sua rígida e inerte estátua, insensível como ele, onde as pombas, sobre o seu boné e os seus ombros, bem perto dos seus ouvidos, costumavam, inocentemente sem medo algum, dialogar livres e alegremente.

 

 

 

*** As diabruras de Fidel

 

bottom of page