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O mito da internet

 

Muita gente crê e outra anda para aí a fazer crer que, através de computadores disseminados pelas escolas, o acesso generalizado à Internet pode resolver, quase por si e através de mãos clicantes que acariciam ratinhos, o problema da nossa, quase geral, ignorância e do nosso abissal atraso.


A Internet pode ajudar muitíssimo, mas não é mais que um admirável meio de comunicação e de acesso à informação. Não passa disto: uma vasta enciclopédia universal, permanentemente actualizada quase ao segundo, e sempre à mão de quem a ela tem acesso e conhece algo da arte de a bem navegar.


Como acontece com os melhores livros, ela não ensina os que não os sabem ler, os que não estão interessados em os abrir e folhear com atenção, nem os que querem cultivar-se à pressão sem um mínimo de transpiração


É, de facto, um poderosíssimo fármaco de vasto espectro, mas não é uma miraculosa panaceia para os tantos e complicados males de que enferma o estado actual das coisas, em particular as que dizem respeito ao nosso tão degradado ensino.


Tem aqui cabimento relembrar a velha estória daquele esforçado calino que resolveu comprar uma máquina de escrever, (não havia, na altura, os algo falíveis correctores de texto), para deixar de dar erros de ortografia, bem como tem lugar referir aquela outra sentença que diz que um burro que vai carregado de livros logo se julga um doutor.


A Internet possibilita aceder, de modo expedito, à mais actualizada informação (e à perigosa desinformação), mesmo aos eremitas que vivem à desamão, algures na província, em qualquer lugar escondido e inacessível, haja lá, pelo menos, duas tomadas, uma da luz e outra do telefone.


De nada adianta ter em casa as estantes cheias de actualizadas enciclopédias e especializadíssimos tratados sobre tudo e mais alguma coisa, se não houver o saber básico para consultar seja o que for no volumoso calhamaço. Certas dessas estantes fazem lembrar as canetas de tinta permanente que outrora (?) alguns analfabetos totais, usavam enfiadas, no bolso exterior do casaco para darem ares de saberem ler e escrever.


Bibliotecas, centros culturais, galerias, auditórios e tantas outras coisas que cheiram a cultura logo enfadam e assustam, como todos sabemos muitíssimo bem, a maioria dos portugueses. A mim também me assustam alguns desses eruditos locais, mas isso pode muito bem ser defeito meu de que, aliás, não me penitencio.


Já muitas dessas referidas coisas vão por aí existindo, embora infelizmente em muito poucos lugares, e só servem de algo para aqueles poucos afortunados que podem e gostam de as frequentar, para neles buscarem ensinamentos e gozarem o prazer e o proveito que eles lhes podem proporcionar.


Mas, para a maioria, tudo não passa mais de que enormes e sombrios casarões que se espreitam cá de fora através de altas e intransponíveis grades, onde existe um enorme pavor de entrar. Alguns, os mais curiosos e afoitos, quando muito entram timidamente para encostarem, com as duas mãos em concha, os olhos quase colados aos vidros da porta, para ver o que se passa ali e como é aquilo lá por dentro.


A Internet pode ocupar não mais que um pequeno recanto da nossa casa. Mas, mesmo aqui, para dela fruirmos, também é preciso vencer grades, saltar muros e ter a capacidade de abrir as portas que dão para o sítio certo, fugindo dos complicados e enganosos labirintos que por lá andam infiltrados.


O resto é conversa.

 

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