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O navio fantasma

 

Não venho, como à primeira vista poderia parecer, falar da inspirada e célebre obra de Richard Wagner.

 

Trazem-me aqui coisas bem reais e terrenas, embora muito tenham a ver com água e coisas do além.

 

Se alguém disser que há um navio no porto de Leixões, ninguém em Portalegre vai de propósito a Leixões para ver a dita embarcação, a não ser que ela seja o Queen Mary II, com toda a família real inglesa a bordo que, de quando em quando, se vem passear a cavalo pelo cais.

 

Mas se em Matosinhos, onde se situa o Porto de Leixões, se constar que em Portalegre está ancorado um qualquer navio, seja ele uma pequena chalupa ou um gigantesco petroleiro, não vem só Matosinhos em peso por aí abaixo, como se despovoa o país inteiro para vir ver e admirar tão extraordinário e fantasmagórico fenómeno.

 

Só num jornal regional como este, e mesmo assim muito a medo, se pode falar de tais coisas, para não alarmar o resto do país e logo, num ápice, toda a Europa e o Mundo ocidental, tão assustada anda toda a gente com coisas esquisitas que cheiram a terrorismo por todos os poros.

 

Um barco meio abandonado no centro duma cidade de província tão afastada do mar é coisa mesmo de temer!  

 

Há de facto, em Portalegre, um navio a sério e, embora pareça, não é fantasma. Existe, é palpável, e de fantasma só tem uma característica: mete medo, apesar de não ter lençol a tapá-lo, o que, aliás, é uma imperdoável falha do projecto.

 

Está na doca seca onde foi construído, rumado a norte e tem pavilhão triangular verde-escuro, não se sabe bem ainda de que exótico país.

 

A bombordo, dá para um ex-colégio de meninas que, ao verem aquilo, devem ter fugido espavoridas sem levarem nada de seu consigo, e a estibordo dá para uma rotunda que, por sua vez, dá para a cidade a quem tapa as vistas que davam para a serra e a capelinha da Penha.

 

Da lindíssima popa, sustentada por um esbelto pilar, podem-se ver gratuitamente jogos de futebol e da proa não se pode ver nada por esta ter a quilha demasiado aguçada que não permite nela se instale sem perigo qualquer pessoa normal de dimensões comuns.

No porão, a estibordo, há umas lojinhas de bens e serviços para os passageiros e passantes se divertirem. No seu vasto interior há diversas secções envidraçadas que são uma espécie de caixões estanques que estabilizam a nave e lhe servem de lastro, coisas que, à primeira vista, parecem ser lojas tipo centro comercial da Disneylândia.  

 

O facto deveras preocupante é que parece não haver casa das máquinas, o que leva os habitantes da cidade a crer que tal barco dali não mais possa sair pelos seus próprios meios, nem tão-pouco ser rebocado, porque toda a água que a poderia fazer flutuar desapareceu, inundando, ao que se crê, os gabinetes de quem tão audaciosamente concebeu e permitiu que se construísse tão bela e robusta nave.  

 

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