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O nosso Liceu tem nome

 

Não passa pela cabeça de pessoas normais andarem a mudar o seu próprio nome, conforme sopram os ventos ou se sucedem as marés. Nem, tampouco, tal seria consentido num mundo civilizado, a não ser, admito eu, por um caso de força maior.

 

 O mesmo se deveria aplicar, quanto a mim, aos nomes das coisas que não mudaram a sua função, como por exemplo ruas, monumentos, edifícios, o que se queira. A Rua Infante D. Henrique, a Calçada da Corticeira, a Avenida D. Afonso Henriques, o Largo do Viriato ou a Travessa de S. Nicolau, chamam-se assim e assim se devem continuar a chamar ainda que a história venha a reconhecer que qualquer das pessoas ou coisas homenageadas, que deram o nome ao local, tal honra não deva merecer.

 

Em Lisboa, a Ponte 25 de Abril que era Ponte Salazar, em Braga, o Estádio 1º de Maio que era de 28 do mesmo mês, no Porto, a Rua de 31 de Janeiro que era de Santo António (ou de Santo António que era de 31 de Janeiro), mudaram de nome e foram rebaptizadas ao sabor dos acontecimentos e de padrinhos de ocasião.

 

Mesmo que a uma nossa rua os seus fiéis sequazes tivessem chamado Adolfo Hitler ou José Estaline, duas das mais belas peças do museu macabro da história contemporânea, com tenebrosos currículos, e para que não mais se viessem a apagar das memórias dos povos, os seus nomes deveriam manter-se sempre na placa, onde apenas seriam acrescentados, e sempre mantidos bem legíveis, os feitos hediondos e mais marcantes de que aquelas pérolas foram protagonistas.

 

Confesso que, à primeira vista, eu próprio não gostaria mesmo nada de morar num sítio destes, ainda que fosse num magnífico edifício cheio de confortos e mordomias, rodeado de belos jardins e tranquilos lagos.

 

Mas, se o nojo e a revolta não me obrigassem a mudar de casa, eu havia de (amargamente) compreender e acabar por me adaptar, do mesmo modo que se adaptam e passam indiferentes as gentes que moram em lugares degradados com nomes de gente ilustre e digna a dar o nome à sua esburacada rua ou ao seu decadente e fétido bairro.

 

Alexandre Herculano, uma figura brilhante da nossa história, tem, mais que merecidamente, o seu nome espalhado em avenidas, ruas, praças, jardins de quase todas as terras do nosso país. No Porto, para além de uma conhecida rua, o seu nome foi também dado a um Liceu por onde gerações e gerações de jovens foram passando, tantos deles sem ligarem o nome à distinta figura que identificava a sua escola.

 

 Está ainda ali, na Avenida Camilo Castelo Branco, (se a esta ainda não mudaram o nome), o Liceu de Alexandre Herculano, por onde também eu passei há mais de meio século e onde encontrei inúmeros grandes amigos cuja longa e profunda amizade nos faz juntar anualmente, de preferência na cantina do nosso Liceu, num almoço cada vez mais aligeirado, isento de gorduras saturadas e com pouco sal, embora abundantemente regado com nitrofuranos e hormonas da maior confiança.

 

No último encontro, ia a refeição a meio, um dos nossos velhos colegas, após umas palavras de esclarecimento, percorreu as mesas a recolher assinaturas de todos nós porque alguém, dando-se ares de padrinho, quer trocar o nome ao nosso querido Liceu pelo de outra personalidade (o mérito ou dignidade desta não estão em causa), por razões onde a burocracia e o desconchavo imperam. Não sei quê duma fusão com o Liceu Rainha Santa Isabel e, vai daí, para que não chore Herculano nem se ria Isabel, mudam-se os nomes aos dois e venha um nome comum, até que nova remodelação (orgânica) ocorra e as tradições e a história que se vão, mais uma vez, às malvas.

 

Com a tensão arterial alterada, com os níveis de colesterol na zona do entupimento total, com alarmante arritmia, à beira do colapso e com a letra muito alterada todos assinamos a referida petição, quase furando o papel com o bico das inocentes canetas.

 

Vamos a ver o que dá, na quase certeza de que nada se dê e a lamentável ideia vá, inexoravelmente, avante.

 

Mas, fiquem os novos padrinhos certos de que, se tal suceder, todos nós e os muitos outros que por ali passaram, mesmo os mais virtuosos, educados e das melhores famílias, vamos também a eles mudar os nomes e passar a chamar-lhes outros, muito feios e de fazerem corar a mais dura carapaça, como aqueles que usávamos, há mais de meio século, no recreio e ao longo dos corredores, por razões cuja gravidade nem por sombras se assemelha à desta gracinha que agora nos querem fazer.

 

 

 

*** Querem acabar com o Liceu de Rainha Santa Isabel e pôr a malta toda no vizinho

Liceu de Alexandre Herculano.

Façam o que quiserem, mas, por amor de Deus, não mudem o nome às coisas!

 

*** Em 2016,  e já desde há muito , ao que eu soube agora, o velho e lindo Liceu  não está habitável. Caem os tectos, degradam-se as paredes, chove nas salas ...

Não se faz!

 

 

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