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O Porto perdeu

 

Refiro-me, envergonhado, até muito lá no interior do tutano, à pesada derrota cívica que o Porto, Cidade, sofreu após uma natural derrota desportiva que o Porto, Clube, sofreu contra um outro da capital, que fica a sul a cerca de 300 km de distância.


Ver toda aquela gente a falar cerradamente à moda do Porto, a celebrar euforicamente a derrota do clube da cidade onde nasceu, mostrou bem a tacanhez e a enorme diferença que ainda os separa dos que em Lisboa justamente os apelidam de parolos e pacóvios, metendo no mesmo saco todos os outros portuenses normais que amam naturalmente a terra onde nasceram e vivem, e dela têm o maior orgulho, por muitos defeitos que possa ter.


Alguém imagina, aqui ao lado em Espanha, ver um só um madrileno pegar no carro e andar às voltas na sua Praça de Espanha, a dar cabo dos ouvidos a Cervantes, a celebrar a derrota do Real, berrando e buzinando furiosamente, com bandeiras do Barcelona desfraldadas ao vento ou cachecóis enrolados à volta do pescoço?


Alguém, por seu turno, em Barcelona ousaria, já nem digo pensaria, andar Ramblas abaixo Ramblas acima, a celebrar a derrota do clube da sua terra?


Isto é futebol, dirão muitos, e futebol é uma coisa à parte. Então se é à parte, pelo menos não me chateiem e metam-se no primeiro comboio, juntem-se aos outros, e vão berrar para onde muito bem quiserem. Por amor ao próximo, deixem ao menos os que ficam em paz.


Vem a propósito falar na subserviência inqualificável de muitos palradores públicos que se espremem todos para tentar falar à moda de Lisboa, com um tão lamentável insucesso que umas vezes me faz intensamente corar e outras desbragadamente desatar a rir.


Já poucos deles trocam o Vê pelo Bê, o que aliás não seria grande pecado. Quase ninguém troca o Bê pelo Vê, o que seria bastante mais grave. O boi agora é quase sempre boi; a vaca para alguns é mesmo vaca, mas para a maioria é "baca", o que não tem grande importância, a não ser que ela seja mesmo louca.


As palavras terminadas em “ão” são o seu maior martírio e muito poucos lá conseguem chegar. Ao senhor Ferreira, chamam Ferrara. Ao Teixeira, hesitam, baralham-se e chamam-lhes umas vezes “Teichara”, outras “Tacheira”, outras, mais rebuscadamente, “Tachara”.


Se o F. C. Porto ou o Boavista F. C. perdem, paciência, jogo é jogo, desporto é desporto e não vem daí qualquer mal ao mundo.


Mas quando o Porto, Cidade, perde, desculpem-me, mas fico-me educadamente por aqui sem dizer, bem à Porto, tudo o mais que me apetecia dizer.




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   As aberrações do nosso povo

 

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