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O tempo passa a correr

 

Mesmo sem recorrer à minha fidedigna e robusta bola de cristal, apenas cheirando os ventos e olhando os astros, antecipo a reviravolta que isto vai levar quando reagirmos e sairmos deste torpor amolecido e pegajoso que nos mantém veraneando nesta longa hibernação.

Eu imagino o que vai ser quando ultrapassarmos os níveis dos demais países europeus e recuperarmos o atraso de vinte e cinco anos que a Comissão Europeia, para vergonha de muitos e descaramento de não poucos, com extrema simpatia, há tempos nos atribuiu.

Vejo um em cada três de nós a ter honestamente o seu curso universitário (a média dos actuais Quinze é um em cada cinco!). Espreito salas de aulas a regurgitarem de computadores com acesso à Internet, aí com um em cada seis miúdos do ensino primário por unidade, (a Finlândia vai hoje nos onze!), e, no secundário, não menos de quatro (a Suécia vai nos sete!).

 

Rejubilo ao contar quatro ou mais vezes investigadores do que os que temos hoje, (e lá estaremos a deixar a outrora orgulhosa Dinamarca a perder de vista!).

 

Enxergo noventa por cento das nossas pequenas e médias empresas, as conhecidas PME, ligadas à Internet (a Suécia, vejam lá, só tem 76!) dominando todo o espaço europeu e invadindo todo o globo, incluindo as gélidas regiões árcticas e antárcticas, onde hastearemos, orgulhosos, uma bandeira nacional em cada pólo.

Nessa altura, aliás, só haverá empresas MGE; todas as P acabaram, sem terem pago um cêntimo ao fisco em toda a sua próspera vida de prejuízos acumula
dos. Em seu turno, sempre cada vez mais ambiciosos, teremos as G, de grande, continuando a ter, sensatamente, as M, de média.

O JANEIRO, num qualquer ditoso dia, muito de perto de dois mil e trinta, quem sabe se em Abril, (quem me dera estar vivo só para poder lê-lo nesse dia de ponta a ponta), com tiragens espectaculares, dado o impressionante aumento de gente que nessa altura vai ler jornais, irá anunciar, em caixa alta a encher a primeira página, com a nossa bandeira desfraldada em pano de fundo: "A UE só daqui a 25 anos alcança rendimento de Portugal", isto é, lá para dois mil e cinquenta e tal. Em orgulhoso e patriótico rodapé, acrescenta: "Competitividade da economia portuguesa está avançada vinte e cinco anos em relação às mais evoluídas da Europa". Nesse glorioso dia, apenas vão sobrar umas linhas para os resultados da Liga do Futebol Amador (LFA), uma página para o ténis, duas para o golfe e um suplemento de quatro ou mais com anúncios de vendas de moradias de luxo, todas elas com ancoradouro para dois iates e garagem para três limusinas.

Aqueles outros países, nessa altura atrasados, então de cabeça humilde e baixa a olhar a sua própria tanga, muito mais exígua e indecorosa que a que hoje nós, portugueses, usamos em dias de festa, vão sentir na carne os efeitos demolidores da nossa galopante recuperação.

Haverá festa por todo o lado e, nessa noite, Porto e Gaia, unidos cada vez por mais pontes de trânsito calmo e fluido, dirigido por gente educadíssima e cortês, pelas mãos dos seus presidentes de Câmara, vão lançar, do meio do rio que os une, metidos no mesmo barco e usando alternadamente o mesmo morrão, foguetes de risos aos estalinhos e gargalhadas ribombantes, pendendo suavemente dos ares até caírem nas águas cristalinas do Douro, iluminando enormes cardumes de prateados e bem nutridos sáveis.

Do mercado pirotécnico de então há muito desapareceram os deprimentes foguetes de lágrimas e o fogo injustamente preso terá sido, já lá vão anos, posto em liberdade. Apenas a miudagem, que deixou de bater e insultar os professores, sempre indomável na sua irrequieta juventude, vai continuar a apanhar canas, então feitas em PVC prateado, e a atirar bichinhas de rabear de longo curso a cheirarem a alfazema.

O tempo voa e vinte e cinco anos passam mais depressa que uma tarde chata de domingo, sem ponta de sol, em que nunca deixou de cair densa morrinha.

Para confirmar o meu vaticínio, afoito e pleno de confiança, consulto agora a minha bola de cristal. "Estás parvo", consegue ela a custo ainda dizer-me, extremamente inchada e rubra, a apagar e a acender num ritmo alucinante, antes de rebentar em cacos muito miudinhos que se espalharam por todo o chão
.

 

 

 

***  Portugal um país de futuro

 

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