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O trânsito que tanto nos une

 

Antes de sair de casa para mais um dia de faina, que isto de estar reformado e ter de ir buscar o jornal dá uma trabalheira do caneco, (e ainda por cima, não há cá sábados nem domingos), nunca o faço sem antes dar uma espreitadela para ver como vai o trânsito em Lisboa e no Porto, não vá a coisa ter entupido e ter chegado o temível refluxo ao fundo da minha rua, onde há um cruzamento com semáforos que umas vezes estão cegos a cem por cento, outras a piscar o seu olho amarelo com ar cansado, certamente por tanto vir piscando.

Se em Lisboa o nó da Buraca está um caos, ou se no Porto a entrada para Bessa Leite está de morrer, abro logo a janela e penduro a cabeça de fora para ver o que se passa lá em baixo, no meu cruzamento, não vá a coisa ter alastrado e melhor ser eu ir a pé, como aliás me aconselham os médicos que, de carro muito atarefados, acabam sempre por chegar atrasados a qualquer sítio onde multidões de pacientes, quase todos com tossiqueira, impacientemente, os esperam. Felizmente acomodados e conformados, olham televisões muito granulosas que lhes dão, ali, ao vivo, excitantes notícias do trânsito que anda lá por longe e para o que se estão completamente nas tintas. Já a muitos bem lhes basta o eterno problema do trânsito intestinal!

As rádios e as televisões quase não param, até ao massacre, de nos dizer ou de nos mostrar como vão as coisas por aquelas paragens, e já não há uma só aldeia no país, mesmo naquelas onde mal chega a estrada ou a estrada está como está, que não se preocupe com estas coisas. Tal como quem, antes de sair de casa, espreita os céus para ver se é de levar o guarda-chuva, como chamam muito bem no Norte ao chapéu-de-chuva do Sul.

Então, o canal da nossa RTP Internacional, que julgo cobre meio mundo mais a outra metade, excede-se e presta-nos um inestimável serviço. Para conforto espiritual de todos os portugueses que, sempre derretidos de saudades, por lá vivem ou se passeiam, também lhes leva, com a precisão do segundo, o pandemónio que, em Lisboa, vai na Calçada de Carriche ou a celeste fluidez que, no Porto, esperem-lhe pela volta, reina no nó do Freixo.


Abençoada gente que nunca se esquece de todos nós!

 

 

***

 

Estava eu num hotel qualquer numa cidade também qualquer do centro da Europa.

Longe da terra, não há portuguesinho que resista a não parar num canal TV onde se está a falar português. Parei, comovido e excitado, na RTP ... África.

Fiquei a saber o que se estava a passar com o trânsito nas amarguradas ruas da minha querida terra.            

Ai, que saudades eu dela tive!

 

 

 

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