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O Zé dos telhados

 

Sem querer entrar em polémicas, sempre mais ou menos estéreis, atrevo-me a afirmar que o homem de hoje, finalmente, conseguiu encontrar o sítio ideal para que todos, à excepção dos cabisbaixos, invejem o seu bem-estar, a sua suposta cultura e o recheio, real ou imaginário, da sua carteira.


O carro popularizou-se e já há muito teso como eu que tem vários de luxo e mais um jipe. O telemóvel está de rastos. A alcatifa tem ácaros muito altos e gordos mas, mesmo assim, não se vê da rua. As criadas acabaram e as poucas que restam recusam o uniforme e confundem-se com a patroa. Os cães de raça, bem comidos, dormem na sala e vêm pouco às grades. A piscina, se fica nas traseiras, não se vê cá de fora e, se fica na frente, não é usada pela mulher, que não quer mostrar as banhas, nem pelo marido, que não quer exibir tanta barriga.


O "court" de ténis, uma das muitas tentativas neste percurso de ostentação, também não resulta. Uma pessoa esfalfa-se a apanhar bolas e nenhum papalvo, cá de fora, acredita que as raquetes possam ter rede, julgando muitos que os intervenientes são tarados que estão a jogar com o cabo.


Os gigantescos candeeiros tipo Murano, cheios de pecinhas de cristal, só dão um vistão à noite mas, para isso, é preciso ter as janelas bem abertas, com as cortinas afastadas, para se obter o efeito desejado. Mas, lá está, no Inverno entra o frio e no Verão a mosquitada.


Esgotados estes e outros meios de tentar arrasar os vizinhos, o homem voltou-se para o telhado. É aí que procura expor a sua capacidade financeira e o seu refinado gosto. O telhado passou a ser uma espécie de Bolsa de Valores em maré-alta.


Na impossibilidade de cobrir o telhado com notas gordas de mil euros, (esta foi a primeira coisa que lhe veio à cabeça), que se desfaziam com a chuva e soltavam com o vento, resolveu o problema, com a ajuda preciosa de empreiteiros de comprovado gosto e das bojudas Páginas Amarelas, onde nada falta, nem mesmo figurinhas para os que não sabem ler. E, assim, nasceu a ideia de encher a casa com telhados, cada um com a sua chaminé, uma para cada lareira, mais outra para o fogão que poucos vapores liberta.


Bom, a seguir, como se vivêssemos na Normandia, toca a pôr telhas pretas. Com o calor que elas acumulam e emanam, a casa está sempre tão quentinha que, mesmo em Dezembro, parece estar-se em Beja num daqueles Agostos de se morrer assado à sombra.


Mas, veio o ar condicionado que, embora não muito bonito, toda a gente sabe que custa umas massas e não fica nada barato tê-lo a funcionar. E, então toca de espalhar aparelhos, se não por todos os quartos, pelo menos, para os que dão para a rua.


A moda das placas solares bem visíveis, viradas também para a rua, mesmo que o sol nunca lhes batesse, foi, em certa altura, um achado. Pena era não as haver às cores para dizerem com os azulejos e com o alumínio das caixilharias. Foi coisa que passou e muitas o vento levou.


Quando tudo pensava que não havia mais nada para pôr lá em cima, apareceram a seguir as parabólicas, hoje tão vulgarizadas nos bairros de lata que já há quem, para marcar a diferença, tenha três, uma no telhado, uma na varanda que dá para a frente e outra na marquise que dá para as traseiras.


Quando eu tiver umas massas de lado, pelo que me dizem, isso vai ser lá para 2010, ponho aquela tralha toda lá em cima, e, para fazer rebentar de inveja aquela vizinhança que tem vindo estes anos todos a gozar com a minha penúria, vou comprar dois ou três satélites privativos, bem presos por guitas douradas às minhas chaminés.


Querem apostar que vão logo aparecer uns inqualificáveis vizinhos a atar mais satélites do que eu?

 

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