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Operação mãos limpas

 

Vemos todos os dias crescer por toda a parte, umas em cima das outras, as mais aberrantes construções, quer ocupando os poucos lugares disponíveis que ainda restam, quer arrasando respeitáveis edifícios que estavam no caminho a estorvar a passagem e a impedir o progresso.

Em frente ao mar, com vista para a marina, junto às escolas, na margem do rio, a um passo de campos de ténis, a dois de campos de golfe, perto das piscinas, muito próximo de tudo, na parte mais nobre da cidade e, tudo isto, no maior sossego, longe do bulício e da poluição.

Quem não se tenta, mesmo que tenha de viver empilhado, com a marquise da cozinha voltada para o quarto do vizinho e a sala onde este tem a televisão paredes-meias com o quarto onde se queria dormir?

Em toda a parte, tudo vem sendo estropiado sem qualquer tipo de dó nem jeito de piedade, incluindo o belo e recatado Alentejo interior, onde fica a terra adoptiva que tão bem me acolheu e escolhi para viver, precisamente, porque nada tinha a conspurcar a beleza com que a natureza e a gente que por lá viveu a quis presentear.

Desenvolveu-se. Tem, como todas as cidades que pouco se prezam, prédios enormes e coloridos ao lado das ruas, rotundas caricatas nas encruzilhadas, carros no meio dos passeios, ruas com muitos carros, arremedos de centros comerciais, eu sei lá o que lhe mais falta?!

Quem é responsável? Ninguém...! Responde-me, com voz cava e solene, o calejado romeiro comum.

Não me conformei. Fartei-me de matutar e venho apresentar uma proposta que pode ainda vir a tempo de algo atenuar a proliferação incontrolável de muita desta tão ostensiva e impune criminalidade que por aí vai. O que proponho é simples e até nem fica caro, mas reconheço que tem uma grave falha: não se aplica aos que não têm senso nem vergonha.

Junto de cada mamarracho implanta-se uma parede com cerca de 2 metros de altura por 1 de largo; no cimo, crava-se muito bem cravada uma espessa placa em bronze fundido, com a seguinte inscrição profundamente gravada e em letra muito bem legível:

"Podem aqui, por baixo desta placa, na singela parede que a suporta, limpar as suas mãos as seguintes individualidades: o senhor presidente da câmara, Fulano de Tal. Os seus assessores Sicranos de Tal e Tal. Os senhores arquitectos, Beltranos, também de Tal e Tal."

Dado que o investimento é de muito pequena monta e que, a não ser um ou outro cão vadio, nenhuma das referidas personalidades vai utilizar a referida parede, os custos da sua manutenção podem considerar-se irrisórios amendoins que pouco ou nada vêm sobrecarregar os orçamentos camarários.

Eu sei que tudo vai ficar na mesma, mas ao menos os vindos e os vindouros ficam a saber quem são ou foram alguns dos grandes culpados.
 


 

*** A festa das construções aberrantes  que proliferam por toda a parte desfigurando o país.

 

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