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Oportunidades das frescas

 

 

 

Muita gente crescida que, por uma ou outra razão, tinha há muito interrompido os seus abominados estudos, não tendo nada que fazer e vendo que outros o faziam com ambas as pernas às costas, resolveu encanar os seus coxos conhecimentos para se ir inscrever num qualquer centro de Novas Oportunidades que ficasse mais à sua mão.

 

Muitos tinham deixado a meio a Escola Secundária por bem justificadas razões, entre elas lamentáveis dificuldades financeiras familiares e os problemas ambientais em que, muitas das vezes, viviam desabrigados dentro das suas próprias casas, e, se tal calhasse, em bairros degradados, piedosa e solidariamente apelidados de bairros sociais.   

 

Uma outra grande parte, em dada altura, desorientou-se e perdeu-se algures no caminho, muitas das vezes por preguiça sua, mas, muitas outras, por falta de espaço mental próprio, nada ajudado a ampliar por professores desmotivados, desinteressados, incompetentes, ou mesmo inaptos totais, que Deus me perdoe.

   

Tudo isto é muitas vezes ajudado pela indisciplina infernal reinante dentro e fora das salas de aula e pela atitude bélica dos pais mais ferozes que querem, à viva força, que os seus rebentos passem de qualquer maneira para serem doutores seja daquilo que for, alguns deles indo mesmo, todos despachados, à escola tirar porcamente as coisas a limpo, lançando reprimendas e ameaças ao pobre do professor, berrando-lhe insultos demolidores, malhando-lhe muitas das vezes impiedosamente com qualquer vergasta que, precavidamente, já levavam consigo ou que, na altura do tira teimas, lhes apareceu mais à mão.

 

Dada a famosa bagunça instalada, praticamente todos os novos oportunos acabam por vencer nesta sua segunda tentativa, porque discretamente foi decretado que todos tinham de passar, mesmo que o seu grau de ignorância, para mais com o acelerado avanço verificado nos vários campos da sabedoria, se tivesse fortemente exponenciado.

 

Como prémio da sua tenacidade, muitos dos pretendentes, por artes mágicas em que todos vêem donde saem os coelhos, chegam a ultrapassar pela direita os cumpridores que vão na sua mão a tarimbar com todo o seu esforço no ensino considerado normal.

 

Um destes dias tive a minha oportunidade de falar com um desses novos intelectuais. Vai dar ao mesmo, mas não era um, era uma. Uma senhora já algo rodada, ainda bastante fresca, que há muito é técnica na grande área da saúde e que há dias tivera a tal nova oportunidade de acabar de fazer o seu almejado 12º ano, disse-mo ela, abafando a custo um tauromáquico olé!  

 

Esta nova doutora que, antes do recente sucesso, por doutora vem sendo tratada por muitos utentes, na mira dum favorzinho burocrático, de seringadelas certeiras e suaves picadelas, trabalha há um bom par de anos ao lado de médicos, (estes sempre de estetoscópio ao dependuro por causa das confusões), como ela gente de bata branca, que lá vão perguntando aos utentes “então, como vai isso”, antes de lhes passarem, sem mais conversa, a receita feita a pedido sem se darem ao esforço de verificarem como o tal isso ia.   

     

Na despedida, a promitente doutora, com um brilho culto em ambos os olhos, antes de me atirar um chau tu lá e eu cá de despedida, não resistiu a dizer-me que já tinha comprado um computador e que agora ia comprar uma compressora.  

 

Ela de nada se apercebeu, mas, dum golpe, senti-me comprimido em formato A5, sem cor e a puxar muito mais para o branco do que para o preto, e vi-me desmaiado a seus pés, com ela a dar-me umas oportunas chapadas, sem me ter dado a tomar quaisquer impolas nem acalmantes não fosse eu gomitar.

 

Mal me reformatei, e voltei à realidade, fiz um pressuroso “escape” para logo ir  escrever este bocado de prosa que ainda não sei bem se vou “comprimir” antes de o colar neste bondoso “site” onde, de quando em vez, vou esvaziando os meus bons e maus humores.  

 

 

 

 

***

Juro que na essência desta indecência tudo isto é verdade.

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