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Os equilibristas

 

Às vezes, quando menos se espera, surge uma boa ideia. E o senhor Emanuel dos Santos (cheira-me que deve ser economista), que é Secretário de Estado do Orçamento deste governo que se diz socialista, teve uma. Como tudo leva a recear, é homem para já outras ter tido e é horrível pensar que, em temíveis recaídas, outras mais possa vir a ter.


Li primeiro a notícia neste jornal. Eu, que apesar de nestas coisas ser sempre um tipo muito desconfiado, de imediato pensei: é gralha.
É o eras! Eduardo Prado Coelho, no seu fértil e agradabilíssimo “O Fio do Horizonte”, diz-me que leu noutro jornal, o Expresso, aquilo que eu já tinha lido no Público. Ou há duas incomodativas gralhas, cada uma no seu galho, e fomos ambos enganados, ou a coisa é de facto muito grave.


Para ajudar a equilibrar o malvado Orçamento do Estado, que engendrou (às tantas é engenheiro) o senhor Emanuel dos Santos, numa ideia genialmente arquitectada (pode muito bem ser arquitecto), que lhe veio à mente? Nem mais: advogar (quem nos diz que não é advogado) a possibilidade de os pensionistas deixarem de receber o subsídio de férias.


Eu, que tenho, diga-se que muito bem tirada, a quarta classe do antigamente (resolvo duma penada problemas Sudoku dos difíceis), e tenho ideias como os outros doutores, atrevo-me a sugerir: além do subsídio de férias, porque não lhes acabar, duma só cajadada, também com o subsídio de Natal?


É que a maior parte dos pensionistas, hábeis peritos em equilibrismo, férias já não têm e pouco tarda para que Natal deixem de vir a ter.

 

 

***

Este texto que enviei para o Público e não foi publicado tem uma história.

Recebi na volta do correio electrónico um e-mail do Público que dizia assim:

 

" Caro leitor:

 

A notícia em que Eduardo Prado Coelho sustenta a sua crónica não tem fundamento. Veio efectivamente publicada no Expresso, que por certo citou uma notícia dessa tarde da Agência Lusa. Contudo, ainda sexta-feira, o Secretário de Estado desmentiu que o Governo estivesse a planear essa medida. Na nossa edição de Sábado (o mesmo dia em que sai o Expresso) dávamos conta quer da notícia da Lusa, quer do desmentido do secretário de Estado (reproduz-se junto essa notícia, tal como foi publicada na página de abertura da secção de Economia). Aparentemente o Expresso não teve o mesmo cuidado, induzindo em erro os seus  leitores e, também, o próprio Eduardo Prado Coelho,

Com os melhores cumprimentos

Lucília Santos "

 

Agora, o tal desmentido:

 

Secretário de Estado admite "em termos teóricos" fim do 14.º mês dos pensionistas

O secretário de Estado do Orçamento, Emanuel Santos, admitiu ontem o fim do subsídio de férias dos pensionistas (14.º mês), mas só "em termos teóricos" esclarece um comunicado do Ministério das Finanças divulgado ontem à noite. O comunicado vem na sequência de uma notícia de uma notícia divulgada pela agência Lusa, segundo a qual o secretário de Estado teria admitido essa possibilidade para equilibrar "o sistema de Segurança Social e corrigir algumas políticas do passado". Emanuel Santos, que falava na faculdade de Economia da Universidade de Coimbra, lembrou que o subsídio de férias foi para os pensionistas foi atribuído em 1990, num período de expansão económica, mas que não foi acautelada a sustentabilidade deste pagamento no futuro. " Como é que podemos aguentar assim o sistema?" perguntou no colóquio com o tema Portugal: Os desafios da Política Orçamental.

 

"Desminto formalmente a ideia que me foi atribuída", declaro posteriormente à Lusa Emanuel Santos. No comunicado feito a seguir, o Ministério das Finanças desmente formalmente que o Governo admita a hipótese de acabar com o 14.º mês dos reformados". O tema " 14.º mês foi, de facto, abordado em termos teóricos, no decorrer do debatei integrado no âmbito de uma dissertação do secretário de Estado adjunto e do Orçamento a possibilidade de o Governo estar a ponderar a medida."

 

Segundo o relato feito à Lusa, Emanuel Santos referira-se à eventual insustentabilidade do subsídio de férias dos pensionistas num quadro de equilíbrio das contas públicas, tendo salientado a necessidade de reequilibrar" o sistema de Segurança Social e corrigir algumas políticas do passado".

Como disse Eduardo Prado Coelho  na sua crónica, o senhor secretário de Estado, Emanuel Santos, lançou o barro à parede. Fica nesta, pelo menos, uma desavergonhada marca, por mais teórica que me digam a maneira como foi lançada.

 

 

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