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Os perigos da ironia

 

O Paulo, meu grande amigo dos longínquos tempos do Liceu de Alexandre Herculano, onde, durante sete bons anos, convivemos muito juntinhos na mesma turma, escrevia semanalmente no PRIMEIRO de JANEIRO e lia diariamente o Público, para onde eu muitas vezes enviei umas cartas com croniquetas ligeiras sobre coisas pesadas que me iam apoquentando.

 

Um dia, o Adalberto, como eu às vezes o trato e porque, de facto, Adalberto é o seu primeiro nome, convidou-me para escrever umas tretas no velho Janeiro, onde ele, no seu tom bem sério e sábio, muito regularmente e há muito tempo escrevia.

 

Eu, que não sou sábio mas apenas um pouco sabido, não gosto nada de escrever regularmente por empreitada, mas apenas quando tal muito bem me dá na real gana e alguma coisa, também real, tenho para desabafar.

 

Acabei por aceitar o convite para saber como aquilo era e, um dia, poder a vir contar.

Nessa altura, o Adalberto bem me avisou:

 

põe-te a pau, pá, porque, com essa tua maneira de escrever, vai haver muita gente que não vai entender onde queres chegar e muita outra irá mesmo pensar exactamente o contrário daquilo que tu pretendes dizer!”

 

E, tal como ele antevia e eu suspeitava, algumas vezes, assim aconteceu.

 

Como eu falo quase tal como escrevo, sempre com uma inevitável pitadinha de ironia pelo meio e desrespeitando acintosamente o miserável novo acordo ortográfico que me querem impor, um dia destes e por força de circunstâncias naturais bastante tristes,  entrei à fala com uma simpática jovem que bem podia ser minha neta, tivesse eu sido um distante avô proveta bastante precoce e vivaz.

 

Fiquei com o seu endereço electrónico e, post mortem, enviei-lhe este meu endereço na NET. Trocámos umas duas ou três inocentes mensagens onde eu, desta ou daquela maneira e mais que naturalmente e de forma cortês, lhe manifestava a minha simpatia que, aliás, mais silêncio menos silêncio, ela ainda hoje me continua a merecer.

 

Veio a propósito, e na última que lhe enviei pedia-lhe que me indicasse o nome e o autor dum bom livro técnico da área onde ela profissionalmente navega e em que eu bastante me interesso.

 

Depois de tanta solicitude  e extrema simpatia, sem me sugerir um só livro nem dizer água vai, fechou-se num enigmático e sepulcral silêncio.  

 

Desconfio que o Adalberto, mais uma vez, acaba por ter razão.

 

 

 

***

Não sei porquê, mas duas gentis Senhoras enviaram-me receitas de açordas. Já experimentei duas. A açorda de ameijoas com nabiças é de sonho, mas aquela de bacalhau com gemas é mesmo de chorar por mais!

 

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