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Por que faltei à reunião

 

Hoje não venho jantar. Se não aparecer até às 10, é porque tive de por lá ficar por ser tarde demais para regressar a horas decentes. Vou lá dentro, numa fugida, dar uma penteadela, meter umas coisas na maleta de viagem e, ponho-me já a caminho antes que o trânsito se complique e fique eu por aí horas e horas enlatado no meio duma bicha interminável de carros e camiões a apitarem desalmadamente. Se perguntarem por mim, digam que fui à Lixa tratar dumas coisas do saneamento e que amanhã, por volta do meio-dia, já cá devo estar. Se tal não acontecer, não se preocupem, é sinal de que não consegui resolver tudo a tempo e tive que ficar um pouco mais.

Foi assim que saí de casa, tão à pressa que esqueci o telemóvel (!), sem grandes e sonoras despedidas, fez na passada terça-feira quinze dias. Não cheguei a ir à Lixa, porque, a tempo, me lembrei que, afinal, a reunião tinha sido marcada para Fafe.

Com a conhecida balbúrdia dos sinais das nossas estradas, enganaram-me não sei onde, e fui parar a Entre-os-Rios! Entre-os-Rios, diga-se, foi sempre para mim um nome dúbio e vago para designar um lugar concreto com um mínimo de precisão.

Começava rapidamente a anoitecer. Aqui não fico, disse eu para mim, há-de por aí aparecer um sinal qualquer que diga Fafe. Andei desnorteado quilómetros e mais quilómetros e Fafe nunca apareceu.

Quando, a certa altura, já começava a desesperar, entrei numa estrada com um piso anormalmente suave e aderente e com traços bem nítidos, respirei de alívio apesar de não fazer a mínima ideia onde estava. Ao longe, já se via uma terra toda iluminada, cheia de luzes muito amarelas que parecia um dia pleno de sol. Decidi parar na primeira oportunidade para saber do meu próprio paradeiro e perguntar se Fafe ficava muito longe dali.

Apareceu, passados dois ou três quilómetros, um posto da Galp e foi mesmo aí que parei, até porque, com tanta volta e reviravolta, o depósito precisava de ser atestado. Reparei que a gasolina estava a preço de saldo, (alguma promoção, pensei), e, bem cheio aquele, fui à caixa pagar e perguntar o caminho mais curto para chegar à almejada Fafe. O moço, que pela fala arrevesada não era português, não conhecia onde ficava Fafe nem a Lixa, disse-me "aqui és Vallecas y está usted muy cerca del Aeropuerto de Barajas". Minha Nossa Senhora de Fátima, não podia acreditar no que ouvia! O rapaz era espanhol e não um comum imigrante como os nossos russos e ucranianos. Barajas? Mas Barajas, é em Madrid! E Madrid, é em Espanha!

Deixei o carro no parque do aeroporto e fui a correr para o terminal de partida dos voos internacionais. Queria apanhar um avião qualquer que me levasse para perto de Fafe; alguém viria, depois, buscar o carro. Estava, felizmente, quase a partir um que para lá fazia um voo nocturno; à pressa e com muita sorte, consegui um bilhete e entrei disparado "por la puerta C 67". Os ignorantes, que deviam ser mais estúpidos que todas as "puertas" juntas do aeroporto, pediram-me, ensonados e sem o menor sorriso internacional, o passaporte, desconhecedores de que Portugal também pertencia à União Europeia.

O avião ia praticamente cheio e calhou-me uma asa. Agora, só se falava espanhol e inglês e, depois das para mim sempre assustadoras explicações de segurança, e já em voo estabilizado, começaram logo a distribuir, quase à força, sorrisos e sumos de laranja a toda a gente. Quando já estava a ficar em mim, descontraído, li o bilhete e lá estava Rio bem escarrapachado. Rio?! Como os espanhóis, logo a seguir aos ingleses, são do pior que há para línguas, vi logo que haviam deturpado o nome e que o avião devia fazer escala em Entre-os-Rios. Relaxei.

Nunca mais chegávamos. Veio o jantar, veio o café, levantaram-se e sentaram-se os que nos aviões nunca param quietos e, daí a pouco, todos dormiam, menos eu e uma morena gorda com ar baiano que ia a meu lado. Tanto sono junto deve ser da hora espanhola que anda uma hora adiantada em relação à nossa, pensei eu.

Acabei por adormecer por contágio e só acordei com o barulho metálico do apertar dos cintos e ao som do samba de uma ou duas notas só. Estávamos a descer para Entre-os-Rios. Desci, mas, intrigado, notei que cá fora só se falava português brasileiro como se estivéssemos em Trás-os-Montes. Assim vim parar a uma terra que não fica entre nada e que apenas se chama Rio. De Janeiro, acrescentaram duas simpáticas aeromoças, a quem perguntei, em vão, qual era a melhor maneira para, dali, chegar a Fafe.

Quando soube que andava pelas ruas da minha querida terra tudo de velas acesas, em comoventes vigílias em minha honra, como se todos os dias fossem dia doze, decidi ficar até que aquela boa gente se acalme e faça compreender aos ímpios que lá vão as razões que me levaram a faltar à tal reunião. Soube depois, que esta foi adiada e que só se realizará no dia em que eu lá puder aparecer porque, dizem eles, sem mim, o saneamento básico não mais irá para a frente.

 

 

 

*** Fátima Felgueiras, Presidente da CM de Felgueiras, foge "inocentemente" para o Brasil e fica cá muita gente boa a chorar por ela.

A história continua e, como facilmemte se prevê, há-de vir a ter um fim feliz.

 

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