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Pouco chá e alguma simpatia

 

Quando algumas empresas, que nos prestam serviços ou, quase à força, o pretendem fazer, nos contactam por telefone, depois do "boa-tarde-daqui-fala-a-Catarina" ou do "bom-dia-eu-sou-o-Luís", perguntado o nosso nome, que vamos admitir ser José Marques da Silva, começam, em imparável crescendo, o seu quase monólogo acerca do sedutor assunto que os fez contactar-nos.

Pode ser o convite para uma reunião em que, só por aparecermos, temos logo um valioso prémio à entrada (já me tentaram seduzir com um aliciante presunto!), pode ser um inquérito sobre a influência da greve dos camionistas espanhóis no preço do melão, pode ser a oferta de um fim-de-semana para dois no Algarve, etc., etc. Todos vamos passando por desconversas deste tipo com mais ou menos frequência e infinda paciência.

Mas o engraçado é que, certamente, por instruções da gente do "marketing" ou das "public relations", sem nunca me terem visto ou de mim terem ouvido falar, a Catarina ou o Luis, baixinho, com voz macia e adocicada, começam logo a tratar-me "respeitosamente" por "senhor José". Fico um tanto fisgado mas, já muito marcado das vacinas, não acuso o toque.

No manual muito mal traduzido do "americano", donde beberam a técnica, certamente mandam tratar o equivalente "yankee" do José, por Joe, sem mais, que corresponde, como sabem, aproximadamente ao nosso Zé. Vá lá, aqui aperceberam-se que os costumes, as regras e as gentes não têm tradução literal e, até esse ponto sensatos, não me tratam logo por Zé cá nem por Zé lá.

Para se divertirem como eu, imaginem agora que o nosso actual Presidente da República, Jorge Sampaio, atende uma chamada destas. Simpático e tolerante, (às vezes apenas veemente), como é por natureza, ao ouvir a apresentação do interlocutor, responde logo "bom-dia Catarina", "olá Luís". A Catarina ou o Luís, destemidos, ganham atrevidamente embalagem e despejam o saco em forma de tripa recheada: senhor Jorge para aqui, senhor Jorge para acolá, mais isto, menos aquilo...

Sampaio, que é educado e que, por inerência do cargo, tem de aturar todos os portugueses, (má sina a dele, mas ninguém o mandou meter-se nisto), pisca um olho maroto à primeira-dama, que ao lado pára de ler o livro e para ele levanta os olhos em forma de "quem é…?", e alimenta, civilizada e educadamente, a longa conversa, embora para tal específica função não tenha sido por nós investido. Ossos que não são do seu ofício, mas que o ofício obriga a roer.

Sugiro, agora, aos leitores, um relaxante exercício. Onde está Jorge ponham José (Manuel Durão Barroso). Tentem depois com Aníbal (Cavaco Silva), Mário (Alberto Nobre Soares), Diogo (Freitas do Amaral), etc., etc.

Vão ver como o jogo é interessante e que, daí em diante, como a mim já agora acontece, estejam onde estiverem, vão passar a ir a correr, loucos de ansiedade, atrapalhando os filhos e calcando o gato, para o indefeso e submisso telefone, logo após o primeiro toque.

A situação torna-se ainda mais caricata e hilariante para os que, como eu, ainda viveram na chamada "longa noite do fascismo". Apreciem.

Em São Bento, residência do então Presidente do Conselho, toca o telefone; um telefone fanhoso daqueles de dar à manivela, com o auscultador destacável e um pé de meio metro a suportar o bocal. A dona Maria (Caetano de Jesus), sua muito fiel governanta e constante conselheira, sempre ligeira, saiu, num instantinho, para ir comprar meio quilo de arroz, cento e vinte gramas de fiambre e meio litro de azeite. O patrão, com aquela sua voz de falsete que lhe conhecíamos, vai atender:

-"É de casa do senhor António de Oliveira Salazar?"

-"Estou! Estou!... Estou!?"

-"Se é da casa do senhor António de Oliveira Salazar?"

-"É, é, diga, diga. Não estou a ouvir quase naa…aada!

- "Bom-dia, senhor António."

A chamada, neste ponto, foi-se completamente abaixo, sem, contra o costume, a dona Maria ter voltado da mercearia!

E foi assim, que nunca ninguém chegou a saber, (o seu telefone não estava sob escuta), o que queriam impingir ao pobre do homem.

 

 

 


*** O conhecido assédio telefónico

 

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