Quando ele for grande
Aos dois anos, o meu neto mais velho, um espertalhaço pragmático e bem determinado, como vão ver, queria ser bombeiro quando fosse grande. Aos três queria ser polícia. Pouco depois, ainda com três, já queria ser médico mas, em breve queria ser almirante e logo a seguir o Bill Gates. Até aqui, tudo normal e poucos de nós não tiveram aspirações similares naquelas inocentes idades.
Com uma ambição crescente, o miúdo, aos quatro, só pensava em ser jogador de futebol e não tardou a decidir que queria jogar no Manchester United admitindo, como segunda escolha, o Real Madrid ou o Barcelona, que também pagam ultra bem.
Dados os seus elevados anseios e desmesuradas pretensões, eu estranhava e achava mesmo graça que ele nunca dissesse que queria vir a ser Presidente da República nem, ao menos, Primeiro-Ministro.
Por razões, para ele já bem óbvias e para mim inocentemente obscuras, nunca lhe passou pela cabeça ser astronauta, ele que tem uma imaginação voadora, nem vir a ser professor, ele que tantas lições me dá, nem mesmo maestro da Filarmónica da Berlim, ele que adora música clássica e se empolgava, ainda com três meses e de chucha na boca, a ver o Karajan, em transe de olhos fechados, a reger sem partitura!
O cachopo, que ainda anda na infantil e já lê no meu jornal todas as gordas, e as magras que mais lhe interessam, chegou um dia destes exuberante a casa, com a mochilita às costas e com o seu chapeuzinho azul preso ao queixo pelo elástico. Sem alijar a carga nem ir comer uns biscoitos e beber um copinho de leite morno, como faz habitualmente, veio a correr direito a mim, que ainda lia, muito preocupadamente, diga-se, o jornal, e, sem mais, disparou-me ainda da entrada da porta:
Avô! Já sei o que quero ser. Quero ser corrupto!
Vá já tomar o leite e comer os biscoitos!
Enquanto fechava o jornal e abanava lentamente a cabeça, fiquei a pensar muito seriamente cá comigo: Este miúdo é mesmo de se lhe tirar o chapéu e a mochila!
*** A corrupção grassa.
Em jogo está muita massa!