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Seja o que eles quiserem

 

Em certa altura, tínhamos resolvido emigrar perante as sucessivas e cada vez mais gigantescas ondas de escândalos que continuam a avassalar todo este país que desde sempre nos disseram ser nosso, mas que, sub-repticiamente primeiro e descaradamente depois, foi tomado de assalto por um número crescente de surfistas audazes, de cara destapada, cada dia mais afoitos e bem musculados.  

 

Apesar do nosso medo estar velozmente a passar a pavor, com alguns à nossa volta já mergulhados num pânico de enlouquecer, a arrepiante beleza deste tétrico mas tão electrizante espectáculo fez-nos mudar de ideias.

 

Resolvemos ficar para ver, só e apenas para ver, porque já nos começa a faltar o pé e sabemos que, honradamente, nada mais poderemos fazer.  

 

Aqui onde estamos, aparentemente longe dos inúmeros e mais fortes epicentros da escandaleira, já com a água muito turva e pútrida a dar-nos bem por cima do joelho, sem nela ousarmos boiar nem, muito menos, nadar, decidimos estoicamente ficar até que se extingam gradualmente os acordes do último violino, sabendo de antemão que apenas vai haver barcos para que se safem os eleitos de sempre, os mais ardilosos e precavidos figurões.  

 

Amargurados, ficamos presos a ver este grandioso e feérico espectáculo, antevendo que, em breve, vamos estar ainda mais sós, sem os ronceiros comboios a quem roubaram os carris, sem luz porque levaram os cabos, sem dinheiro porque nos embarrilou um pródigo banco, sem memória porque, dia após dia, vamos pasmando até atingirmos o total e irreversível embrutecimento.  

 

Para bem do nosso mal, ou, o que parece o mesmo, para mal do nosso bem, suceda o que suceder, vamos ficar.

 

 

 

***

    Isto passa-se no ano de 2009, 35 anos depois da Revolução de 1974.

 

   Que mais virá a seguir?

 

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