Sentida Unanimidade
Foi exactamente no dia 10 de Janeiro de 2014 que na nossa Assembleia da República, (outrora chamada Assembleia Nacional , onde os deputados eram cuidadosamente escolhidos a dedo, que não o meu, cantavam em bem afinado coro), que tudo isto se passou.
Não os contei, mas deviam ser para aí 230 bicos, isto é, toda a malta que eu, cidadão cumpridor, sem nenhum deles conhecer, ajudei a eleger.
Julgo, ou melhor, estou mais que certo que, desta vez, nenhum dos eleitos tenha tido a ousadia de faltar ou sair da Sala para se ir flanar pelos corredores. Todos estavam, ali, de corpo inteiro, bem quedos e serenos, sentados nos seus devidos lugares, enfiando a cara solene que Deus fez a gracinha de lhes dar, mesmo aos mais ateus e aos muito bem precavidos agnósticos.
Nas galerias, havia grandes óculos escuros, impermeáveis de fora para dentro, e chorava-se muito baixinho sem quebrar com um único decibel vadio aquele enternecedor momento de tão solene dor.
Aí, estou certo, ainda se teriam trocado furtivos olhares interrogativos, mas ninguém ousou elevar a sua voz para cantar um só compasso do nosso Hino, o Nacional, nem sequer dois ou até todos os da Grândola Vila Morena, terra da fraternidade.
Se tal ousadia houvesse, estou certo que o/a, na altura, Presidente de serviço não iria chamar a Polícia para os mandar evacuar e pôr no olho da rua. E se a Polícia chamasse era para que esta, em batalhão, a eles viesse juntar, em afinado coro, a sua bem posicionada voz.
Cada partido se fez ouvir pelo seu muito comovido porta-voz. Todos usaram, alguns com embargada e tremida voz, a roçar o gogo, as mais sentidas palavras de elevado elogio e profundo pesar.
Como tristezas não pagam dívidas, eu, muito caladinho, quero que eles todos se vão todos lixar, já que lixado e bem lixado estou eu e os outros, mais ou menos, como eu que por eles venho sendo lixado.
Seus grandessissimos impostores!
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Eusébio não merecia tão unânime hipocrisia.