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Traduttore, traditore

 

Esta expressão italiana, conhecida por meio mundo, significa “tradutor, traidor”, isto é, quem traduz trai. Os melhores tradutores, competentes e honestos, quando confrontados com expressões que dificilmente podem ser transpostas para outra língua, deturpam, por muito pouco que seja, a ideia que o autor na sua língua original pretendia exprimir.


Se é um bom tradutor e tem simultaneamente uma boa veia de escritor, muitas vezes a tradução vale mais que o texto traduzido. Assim parece ter acontecido com Eça quando traduziu do inglês “As Minas de Salomão” e igualmente dizem que sucedeu com “A Selva “ de Ferreira de Castro quando foi traduzido para o alemão.


Há expressões praticamente impossíveis de traduzir noutra língua e é na poesia onde me parece que essas dificuldades mais se devam sentir. Não vejo, por exemplo, que se possa traduzir “Os Lusíadas”, mesmo que seja para o castelhano, sem trair Camões, quanto mais tentá-lo para o russo ou o tailandês.

 

O que sair, para sair bem, tem forçosamente de permitir libertar o tradutor das palavras do autor e, se aquele não se embrenhar inteiramente no seu pensamento, as palavras que escolheu não vão exprimir correctamente a ideia original. Isto só para falar da letra, quanto mais da música!


Francisco Louçã, resolveu traduzir, a seu bel-prazer, com letra e música sua, uma cena, que ele classifica de patética, passada numa recente conferência de imprensa feita por G. W. Bush quando lhe perguntaram qual o maior erro que tinha feito na sua vida. Os textos, o original de Bush e a “tradução” de Louçã, são longos e não posso aqui transcrevê-los como bem me apeteceria fazer. Quem for picuinhas encontra aí pela NET o original e a referida tradução de conveniência feita por Louçã e pode, se souber interpretar o inglês original, apreciar bem onde chega a sua capacidade de “traditore”.


Louçã pôs na boca de Bush, que falou num inglês acessível e nada ambíguo, o que achou conveniente que ele tivesse dito. Afirmou mesmo que o Presidente dos Estados Unidos “balbuciou” a resposta, que é o mesmo que dizer que trocou os pés pelas mãos, fugindo a responder. Não foi assim e quem quiser pode ver, na íntegra, o que realmente nessa tal conferência foi dito.


Um dos cartazes que anda por aí do partido a que Louçã pertence junta, por esta ordem, Durão, Blair, Bush e Aznar numa grande foto sorridente em que todos estão a olhar para a esquerda. Bush, para ver melhor, está um nadinha mais inclinado para a frente. Em cima das quatro citadas personagens, diz assim: “Eles mentem. Eles perdem.”


Aposto que o fotógrafo disparou a máquina um nadinha depois de Durão ter acabado de sussurrar aos seus parceiros na foto: “Olhem, olhem, o tal senhor de que vos falei, que ganha muito bem a vida a só dizer verdades, é aquele que está ali, sem gravata e com o colarinho desapertado, com óculos de ver ao perto que só usa para ver ao longe.”

 



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2005_Campanha do “Bloco de Esquerda”

          Louçã, traditore, traduz como lhe convém.

 

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