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Um casino na minha terra

 

Na minha terra, uma pequena e tranquila vila do interior com quatro mil e poucos habitantes, onde todos os grandes problemas há muito já foram resolvidos, os autarcas locais, esgotadas as suas ideias para mais desenvolvimento sustentado, resolveram pôr, pendurada à entrada da Junta de Freguesia, uma caixinha onde se lê: “Viver melhor em São Tiago da Ponte”. E logo por baixo: “Colabore. Ponha aqui a sua sugestão”.

 

 A caixa enche-se num instante e, todos os dias, pouco antes da seis da tarde, é esvaziada e logo os impressos levados para cima onde são postos cuidadosamente amontoados sobre um tabuleiro rectangular, em prata trabalhada, existente sobre a mesa do Presidente.

 

 Este, homem muito pontual, no outro dia, logo às nove, atira-se à pilha e cuidadosamente lê, uma a uma, as sugestões dos seus cooperantes fregueses. Até ao meio-dia não faz mais nada. Homem de acção, de arguta visão e com elevado sentido crítico, logo ali despacha, com traço firme e assinatura vigorosa, sugestão após sugestão que, mal acabada de ser despachada, logo segue, via pneumática, para os competentes e eficientes serviços.

 

À tarde, logo às duas, começa a percorrer os diversos departamentos, a ver o andamento e, aqui e ali, a limar um detalhe, acrescentar um pormenor, a juntar uma opinião ou a fazer um esclarecimento.

 

Às quatro, sempre infalíveis, percorridos todos os serviços de projectos, conduzindo ele próprio o carro da Junta, percorre, uma a uma, todas as obras em curso para avaliar o seu evoluir e para, logo ali, decidir, (em cima do acontecimento)**, sobre qualquer pormenor referente à obra. Quando, exausto, regressa à Junta, pouco depois das seis, já lá está o tabuleiro com novas sugestões, (que ele, metódico, só ataca no dia seguinte)**. Nunca sai antes das oito, nove horas, depois de ter despachado os demais assuntos correntes de gestão.

 

E assim, lá em S. Tiago, já hoje, temos um hospital com uma cama para cada dois habitantes, duas universidades, quatro institutos politécnicos, seis piscinas, um teatro para trezentas pessoas, duas boas salas de cinema e vamos, muito em breve, ter um magnífico estádio, preparado para o Euro 2004, com capacidade para 80 mil espectadores. Também temos uma arena já preparada para toiros de morte, para quando for reduzido para um ano esse estúpido limite dos cinquenta anos seguidos de tradição.

 

Há dias, apareceu lá na caixinha uma sugestão, um verdadeiro ovo de Colombo em que ninguém antes tinha pensado, e já está em marcha o projecto para ser construído, um pouco abaixo do cemitério, um casino que, dizem, vai ser o maior da Europa. Na América, parece que só há assim um em Las Vegas. 

 

No dia em que S. Tiago da Ponte tiver pelo menos dois médicos e quatro enfermeiros no hospital, água tratada e canalizada, para as casas, para o hospital e para as piscinas, uma rede de esgotos com estação de tratamento e tudo, e sítio onde deitar o lixo que hoje anda espalhado por toda a parte, vão ver a gente que vai vir encher os cinemas e os teatros depois de ter, lavado a roupa, tomado banho, em casa ou nas piscinas, e arrumado muito bem a cozinha.

 

 Com o estádio e com o casino não há problemas nenhuns e é só carregar no botão. As primeiras coisas que o Presidente da Junta já lá está a pôr são as redes de água e esgotos. Coisa com que, muito francamente e aqui para nós, até nem concordo muito.

 

 

 

 

*** Santana Lopes, eleito Presidente da CML, quer um casino em Lisboa

 

 

 Nota: partes do texto original que não foram publicadas.

 

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